Ao perceber o sotaque lusitano, não tive dúvidas. Dispensei apresentações – e lhe perguntei na lata:
— É bom viver em Nice?
Estávamos no calçadão que dá um encanto natural à Promenade des Anglais. Há cada cem metros, pouco mais, pouco menos, há uma carreira de dez, doze cadeiras de ferro, fincadas no chão, que nos permite sentar e confortavelmente mirar a placidez do mar Mediterrâneo.
Eu estava ali há alguns minutos, acomodado em uma das tais, a remoer as angústias e inquietações de um viajante parvo.
Acabara de ler sobre a cidade.
(“… que possui uma bela arquitetura e, mesmo com muitas obras, preserva um certo charme; que delicioso caminhar pelo Passeio dos Ingleses (Promenade des Anglais ) que beira a Baía dos Anjos e seus 5 km de praias; que tem um carnaval maneiro que dura 18 dias, além de grande variedade de atividades; que é chamada de Nissa la Bella e sempre reuniu artistas e turistas de todas as partes da Europa etc etc etc…)
II.
Naquele exato instante, me embatucava a ideia que, aliás, sempre me embatuca quando estou em uma cidade que, à primeira impressão, me parece ideal para viver – e ser feliz, a partir dos sessenta.
Sou um paulistano nato, de hábitos e costumes arraigados por viver em uma metrópole. Claro que, com o passar dos anos, a coisa toda perde lá o seu viço, as suas cores. E a gente, modestamente, começa a pensar “fugir” para algum canto do mundo, onde não precisamos dar conta das expectativas alheias, menos ainda das nossas próprias expectativas de ser e acontecer.
Pois, estava eu a olhar o Mediterrâneo e a divagar sobre tudo e sobre nada, quando um senhor se acomoda a duas ou três cadeiras da minha, cantarolando uma canção do Roberto.
“Você meu amigo de fé, meu irmão, camarada…”
III.
Chamou a minha atenção de primeira, até porque não é tão comum ouvir nossa língua pátria nesse cantão do litoral da Provença.
Como disse acima, meio sem pensar, tomei coragem e desembuchei a pergunta acima:
— É bom viver em Nice?
IV.
O homem, de uns 40 e tantos anos, olhou-me com curiosidade, primeiro; e depois se mostrou afável:
— Brasileiro?, me perguntou.
Fiz que sim com a cabeça, e esbocei um sorriso de quem está ávido pela resposta.
E portuga continuou na maior simpatia:
— Lula, Lula… Dilma. Futebol, copa do mundo. Carnaval… “Delícia, delícia, assim você me mata”… Adoro Tom Jobim.
V.
Fiquei perplexo diante de tamanha manifestação de ‘brasilidade’ em frente ao Mediterrâneo que continuava plácido e misterioso, assim como minha vontade sempre adiada de imitar o papa, e guardada as devidas e incalculáveis proporções, me ‘esconder’ em algum canto do mundo.
Desisti da pergunta, pois desacreditei da pergunta que viria como resposta.
— Estou pensando em mudar-me para o Brasil. O que achas?
Aí, foi a minha vez, de elegantemente, de assoviar uma velha canção do Roberto…