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Relatos de um viajante parvo (2)

O silêncio da Abadia de São Victor, um dos pontos de peregrinação (e turismo) de Marselha, era quebrado, de minuto em minuto, pelos gemidos e reclamos de um senhor que se ajoelhara em um dos bancos em frente ao altar-mor.

Ao mesmo tempo em que grunhia palavras inteligíveis, em um idioma desconhecido e, suponho, imaginário, estapeava o ar freneticamente, como se estivesse afastando alguém que o molestava duramente.

Era visível a aflição do homem de porte longilíneo, de rosto sofrido, com a barba a lhe roçar o peito.

Na penumbra do santuário, não dava para ter certeza quem era ele. Um turista, como a maior parte das pessoas que ali estava? Um peregrino? Um mendigo? Um desvalido, desses que andam por aí sem ter aonde chegar?

Fosse o que fosse, a cena perturbava a calma do lugar.

II.

Os visitantes, turistas ou não, olhavam para ele com um naco de temor e outro tanto de cômoda indiferença.

A Abadia de São Victor, situada em uma colina com vista para o sereno mar Mediterrâneo, tem como ponto alto das visitações a cripta onde, presume-se, repousam os espólios dos santos mártires – Victor, Lázaro e Maria Madalena. Não há comprovação científica da autenticidade de tais relíquias. Foi a peregrinação dos fiéis, ao longo dos séculos, que dá sustentação à memória e ao culto dos santos.

A Igreja, como instituição, não confirma, nem autentica. Mas, não teve (e não tem) como impedir mais esta manifestação de fé.

III.

Não sei se quem estava ali, naqueles momentos, conhecia essa história. Sei que a tal solidariedade e ajuda fraterna passavam andavam distantes. Passava ao largo de qualquer valor cristão e/ou humanitário que a Igreja promove e recomenda.

Não me eximo de culpa.

Quando vou a uma igreja, seja aqui ou em viagens, busco instantes de paz e conforto, espaços que são cada vez mais raros em nossa fatigada vida cotidiana.

A aflição do homem me incomodava. Confesso, porém, que em nenhum momento pensei em me inteirar melhor do que estava acontecendo. Não passou pela minha cabeça e, pelo que pude perceber, de ninguém ali presente.

*amanhã continua…