Atravessou a cidade indiferente ao trânsito pesado, lento, pertubador.
Não se deu conta do caos que a metrópole naquele fim de tarde, ameaçador.
Ela ligou, e foi breve com as palavras.
Precisava vê-lo com urgência.
“Ai, ai, ai… (pensou). Aí tem…”
Não se viam há semanas, desde aquele dia – ou melhor, desde aquela noite em que, por acaso, dividiram a mesma mesa no barzinho dos descolados na Vila Madalena. Conversaram, riram demais, beberam demais e…
Bem aquela noite foi um pouco demais.
II.
Depois da farra e da transa, falaram-se uma ou outra vez. Sempre com carinho. Propuseram novos encontros que, ao final, por algum motivo inexplicável, nunca aconteceram.
Aos poucos, perderam o contato. Até aquele telefonema.
Detectou sérias preocupações no tom de voz e um quase desespero no convite ‘pra ontem’.
“Ai, ai, ai… Tem boi na linha, gato na tuba… Ricardão no armário.”
Sentiu que vinha bucha.
Sabe aquele sexto sentido?
Pois é, então…
III
A ligação, o tom de voz, a pressa em vê-lo, essas coisas todas martelavam em sua cabeça, durante todo o dia.
No trajeto, puxou pela memória na vã tentativa de reconstituir aquela noite. Foi senhor dos seus atos até certo momento. A partir de determinado instante, entregou pra Deus.
Beberam demais.
IV.
Estacionou o carro e, antes de entregar a chave ao manobrista, usou das artimanhas de professor de cursinho, preparando a resposta para não ser pego de surpresa.
“Vamos lá”, pensou. “Se fosse uma questão de múltiplas alternativas, quais seriam os prováveis questionamentos? A) sou casada b) sou casada e contei tudo para o meu marido c) sou casada, contei tudo para o meu marido e ele está no seu encalço c) não sou casada, mas estou grávida d) estou com saudades e) nenhuma das alternativas anteriores.”
Ficou apreensivo, mas não deixou de se divertir com essa e outras possibilidades.
Só tremeu na base mesmo quando se deu conta de que a opção poderia ser outra:
“Todas as respostas anteriores estão certas”.
