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Sampa

Cena desta nossa São Paulo, que
depois de amanhã completa 453 anos…

(Também porque começo o dia
a cortar a Cidade para ir ao Morumbi,
na TV Bandeirantes, onde uma
reunião de trabalho me espera…)

II.

Foi naquele fatídico dia em que
o chão tragicamente se abriu
e a Cidade parou…

A moça – funcionária da USP – estava
no seu Pálio, recém-comprado, prata,
lindo de estalar. Seguia tranqüila a cumprir
o itinerário diário casa-trabalho.

Em plena Bandeirantes – onde estarei logo,
logo – depenca sobre a sua frente
o caos – o trânsito estanque, confuso,
sem solução aparente para as próximas
três ou quatro horas que viriam…

(Lembro que já vivi uma cena
dessas quando uma carreta emperrou
sob uma ponte na Marginal,
com reflexos em toda São Paulo…
Que dia aquele!)

Nem a música clássica no rádio…
Nem as gracinhas publicitárias dos out-doors…
Nem a cara simpática dos ursos de pelúcia
gigantes, expostos nas vidraças da Pizza Hurt…
Nada, nada a consolava…

Como num célebre filme, teve vontade
de descer, abandonar o carro,
a Cidade, o País, o mundo…

Só a lembrança dos filhos evitou
o dia de fúria. Mas, ninguém é de ferro,
as lágrimas foram inevitáveis…

III.

De repente, de um caminhão de Terra Rica,
Paraná, desceu o motorista, tamanho família.
Desses, pra mais de cem quilos e percebeu
logo: caminhava decidido em sua direção…
Óbvio, era bronca certa – e daquelas…

Só então percebeu que tentara
uma manobra – e agora o Pálio
não estava nem lá, nem cá…
Quase de lado, atravessava
uma pista lentíssima e emperrara
a outra quase parada; diria,
congelada no tempo e no espaço…

Mas, eis que tem uma surpresa
na voz solidária, do homem
de enorme barriga, que a camiseta
esgarçada mal sabia conter…

— Ei, moça. Não fique assim, não…
Olhe que eu vou chorar também.
Minha família me espera lá longe, no Paraná.
A sua está aqui pertinho.
Logo, você vai estar com eles.
Pense nisso.

E sorriu… Mais: deu a ela um pacotinho
de bala de goma, desses que
os meninos vendem nos faróis.

— Vamos deixar o momento mais doce…

IV.

Ela ficou comovida e
se acalmou na hora. Fez questão
de tirar uma foto do homem, com a câmara
digital do celular. Para guardar
de lembrança… E lhe respondeu, com
a única frase que na hora lhe ocorreu…

— Depois do meu pai, o senhor é
o caminhoneiro mais gentil
que vi em toda minha vida…

V.

Esqueci de perguntar a ela, se o tal
não seria o Bino ou o Pedro, da série
Carga Pesada. Não devia ser, não…
É certo que estão gordinhos. Mas,
não batem nos 100 quilos e, ademais,
estão fora do ar faz tempo, né..

Cena de Sampa mesmo, louca,
surpreendente, única… E nossa…

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