Foto: Leia Kiyomura/Fim de tarde de terça-feira no campus da USP
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Não resisto à foto do céu avermelhado que a amiga Leila Kiyomura compartilha comigo no zap.
Sabe-se lá o motivo, a imagem me faz lembrar tempos idos.
Andei por lá nos anos 70, estudante do curso de jornalismo da ECA e lá se vão 50 anos…
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Contrasto a foto da Leila com a tarde de céu chumbado desta quinta (dia e hora do fechamento da edição da semana). Talvez seja isso que me faz pensar no corre-corre e agito da Velha Redação de piso assoalhado e grandes janelões para a rua Bom Pastor.
Ali, tanto eu como a Leila e outros tantos demos nossos primeiros passos na lida do jornalismo.
Nosso mestre era o saudoso Tonico Marques, grande jornalista.
Ele estava na virada dos 60, tinha o jeitão do Vinicius de Moraes e não abria mão do boné de jeans a cobrir o desalinho dos cabelos grisalhos.
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Putz…
Como eu gostaria de ler uma crônica do Marques sobre os acontecimentos que pululam no noticiário do dia.
Faz falta.
Tinha o poder da síntese.
“Uma lauda todo mundo lê; mais do que duas, nem a mãe da gente.”
Era a lição que nos passava.
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Marques conseguia reunir em uma lauda e meia (coisa de 30 a 40 linhas de 70 toques) todos os fatos relevantes do dia com o mais fino humor e tiradas brilhantes.
Era atento observador da vida – e tinha um texto ágil e ferino.
Fico a imaginar, por exemplo, o que o Marcão pinçaria do casamento de Lula e Janja, realizado com pompas e circunstâncias (e alguma discrição) na noite de ontem.
Marcão, justiça se faça, era expert no assunto. Viveu altos romances e uns três ou quatro casamentos.
Não fui convidado, mas deixo aqui meus votos de plena felicidade.
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Outro assunto que, por certo, ganharia algumas linhas é o vai-não-vai da candidatura Dória.
Certamente, o Mestre seria implacável com o esfacelamento do PSDB e a tal Terceira Via que, por conta e risco, já se pôs fora do páreo.
Sobre as bravatas presidenciais e a ameaça que o Dito-Cujo e seus generais de estimação fazem, dia sim e outro também, à democracia, Marcão, com a elegância de texto que não possuo, combateria diária e implacavelmente.
Enfim…
Fico tentando assimilar algumas das levadas do Velho Marques.
Mas, sei bem..,
Não tenho o dom.
Ele era único e inimitável.
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Certa vez, idos de 50 ou 60, Marcão foi fazer uma reportagem na Assembleia Legislativa de São Paulo e acompanhou o discurso inflamado de um notório deputado que, lá pelas tantas, exagerou na figura de linguagem:
“Tal problema existe no Brasil desde que as caravelas de Cabral aqui desembarcaram…”
Marques não teve dúvidas.
Daquele dia em diante, sempre que se referia à figura em alguma reportagem, sapecava essa:
“O nobre deputado Fulano de Tal, que acompanhou o desembarque de Pedro Alvares Cabral quando chegou ao Brasil, disse ontem que…”
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Não preciso dizer, mas digo que o nobre deputado Fulano de Tal, aquele que viu o desembarque das caravelas de Cabral no Brasil, foi reclamar com o dono do jornal que, como de hábito e costume, passou protocolarmente a reclamação para o editor-chefe.
Este, por sua vez, atarefado que estava, repassou a bronca ao secretário de redação que, demorou um tantinho, mas foi falar com o chefe de reportagem.
Quando a chefia, algo indignada com a missão, pois não era moleque de recado, se dignou a falar com o Marques sobre a questão, o jornal já estava na banca.
E o nobre deputado Fulano de Tal continuou sendo, por várias outras e posteriores edições, aquele que estava presente quando Pedro Alvares Cabral descobriu o Brasil.
Saudades do Marques!
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O que você acha?