Bebé sempre foi um bom sujeito. Já entrado nos ‘entas’, gostava mesmo era de apitar jogos de futebol. Assim defendia alguns trocados e, além do que, dava uma bela massageada no ego. Tinha o nome em alta com a rapaziada boa de bola, que sempre lembrava de lhe chamar quando havia uma partida importante. Desde que o futebol é futebol, alguém precisa apitar a porfia – e esse alguém, no mundo da várzea paulistana, era Bebé. Donde se concluí que o bem maior da vida dele era a reputação. E, diga-se de passagem, ele cuidava de mantê-la intacta acima de qualquer suspeita, visto que craque ele nunca foi. O que Bebé mais temia era perder a fama de bom juiz e cair no anonimato entre os boleiros da cidade.
Pois então, senhores.
Eis que, num dos anos mais antigos do passado, o glorioso Sucatão (comandado pelo empresário, construtor, camisa 10 e dono o time, Milton Bigucci) enfrenta o não menos glorioso Cisplatina (dos irmãos Alface) numa emocionante final de campeonato entre os veteranos do Clube Atlético Ypiranga. O juiz não poderia ser outro, Bebé, que corre para lá e para cá vestindo uma vistosa camisa amarela com distintivo da Federação Paulista de Futebol e tudo mais.
Não me perguntem onde o moço arranjou tal brasão. Eu estava no jogo, era quarto-zagueiro do Sucatão. Tinha de correr atrás dos ágeis atacantes (todos, como eu, na faixa dos 80 por 40; mais de 80 quilos e acima de 40 anos), não ficaria pensando nisso àquela hora, menos ainda agora que tanto tempo se passou.
O que registrei daquela tarde de sábado – e quero lhes contar – aconteceu depois uma bola dividida, junto à lateral, em que eu e o grande Ademir Alface nos enroscamos e a bola saiu. Corri para pegar bola e dar o lateral quando ouço a voz do Bebé a princípio reepressivo, depois todo solícito:
— Não, não. Nada disso, rapaz… Vamos que a bola é nossa, Sr.Ademir.
Não acreditei. Até o Bebé se entregou na hora do vamos ver do futebol.
II.
Acho que já contei essa história em algum outro texto. Mas, tomei a liberdade de repeti-la porque tenho me divertido com alguns coleguinhas da crônica esportiva. Eles se dizem senhores das verdade e conceitos futebolísticos. Mas, não conseguem controlar o torcedor que existe em cada um de nós, que gostamos de futebol. E só gostamos de futebol porque torcemos para algum time e esportivamente detestamos outros. Não é assim?
A coisa desandou nessas últimas semanas.
No domingo passado, o ex-juiz Arnaldo César Coelho – que, quando apitava, aprontava uma atrás da outra – inventou um “empurrão-desabafo” para justificar a não punição do jogador da Ponte que deu um safanão no jogador do Palmeiras. As imagens mostravam a cena anti-desportiva. Mas, digamos, ele estava light naquela tarde.
Na quarta à noite, foi a vez do veterano Luciano do Valle. Ele quase teve um infarto de tanto torcer para o Sport de Recife. Luciano é torcedor da Ponte e, no seu delírio de arquibancada, chegou a chamar duas ou três vezes o goleiro Magrão, do Sport, pelo nome do goleiro da Ponte.
— Araaaaanha, Araaaaanha…
Ops. Ato falho.
Por morar na bela e pernambucana Porto de Galinhas, as paixões se juntaram. Em outro momento, após uma defesa milagrosa de Magrão, ele preferiu não correr o risco de trocar os nomes. Então, simplesmente comemorou:
— Beleeeeeza, beleeeeeza, beleeeeza.
III.
E tem mais. Muito mais. Em um desses programas esportivos da hora do almoço, vi outro comentarista – não peguei o nome do tal – fazer uma previsão para o jogo de domingo entre Ponte e Palmeiras. E o fez no melhor estilo Bebé.
— O Sport mostrou que não é impossível CONSEGUIRMOS uma vitória por dois gols de diferença, mesmo em pleno Parque Antártica.
Convenhamos. Não é isso que se espera do lado de cá da telinha, nem quando distorcem tudo em prol do nosso time do coração. Até porque – dizia o velho Aldo, meu pai — "lugar de torcedor é na arquibancada".
Agora, vá lá que o cara queira torcer, vibrar, inflamar-se. Vá lá, é humano e futebol é assim mesmo, passional e arrebatador.
Mas, então, que nos avise. Tipo:
“Torcida amiga, boa tarde. Hoje, vou torcer para o time tal.”
Ou:
“Preparem-se. Detesto time Y. Por isso, não levem a sério o que vou dizer.”
Aí, a gente se sente da turma. E vê o que faz. Atura o "Pachecão" narrando ou comentando o jogo. Ou "tira" o som da TV.
IV.
Meu conselho:
Sejam todos Chico Lang.
É, no mínimo, mais divertido.
(* Importante. Sou palmeirense.)