Por Rodolfo C. Martino (agosto 1991)
Ele é contemporâneo de Johnny Alf, Tom Jobim e João Donato. Musicalmente, começou como eles: pianista de boate. Mas, embora tenha participado do célebre Show no Carnigie Hall no início dos anos 60, garante que nunca foi bossa-novista.
“Bossa nova é coisa de João Gilberto, e só. O resto pegou carona” – defende-se ainda hoje.
Seu maior sucesso foi o samba “Zelão”. Mas, sua popularidade atingiu índices altíssimo num dos incandescentes festivais da Record. Inconformado com a incessante vaia que sua canção (uma delicada homenagem a Garrincha) recebia, não teve dúvidas: quebrou o violão e o jogou sobre a plateia. No dia seguinte, era manchete em todos os jornais do País. Um deles, em São Paulo, como de hábito, exagerou na manchete:
Violada no Teatro
A bem da verdade, o paulista de Marília, João Luft, virou Sérgio Ricardo aos 17 anos. Fazia rápidas aparições nos teleteatros da extinta TV Tupi quando um dos diretores, Teófilo de Barros, determinou a mudança.
“Não há jeito de você emplacar como galã com esse nome.”
Para não perder o emprego, aceitou ser João Ricardo. Mudou de nome. Mas não se contentou em ser apenas ator.
Hoje aos 59 anos, Sérgio Ricardo é um dos nomes mais combativos de nossa cultura popular. Cantor, compositor, cineasta, músico, dramaturgo, pintor e muito breve também escritor, continua em plena atividade apesar do silêncio da mídia sobre seu trabalho.
Semana que vem, faz duas apresentações em São Paulo. Dentro do Projeto Rondon, vai estar quarta e quinta-feira, a partir das 23 horas, na Boca da Noite. Aproveita sua estada por aqui para ultimar detalhes sobre a Semana Sérgio Ricardo que acontece em setembro no Museu da Imagem e do Som, onde além da música vai mostrar suas incursões pelo teatro, cinema e pintura.
Ainda para esse ano, ele promete o lançamento de seu primeiro livro, sugestivamente intitulado “Quem Quebrou Meu Violão”.
Na tarde de terça-feira, Sérgio Ricardo falou com exclusividade para o DCI/Shopping News.
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– Depois de uma longa ausência, você volta aos palcos da cidade. Há quanto tempo não canta por aqui e o que acha do retorno?
– Olha, para ser exato, perdi a conta do tempo que não me apresento em São Paulo em show propriamente dito. Há coisa de três anos estive no MASP junto com a Telma Tavares e a Orquestra Sinfônica Juvenil. Foi a única apresentação na capital da “História de João Joana”, o cordel de Carlos Drummond de Andrade que transformei numa ópera popular… Acho importante apresentar-me novamente em São Paulo porque o artista, no contexto atual, tem mais é que brigar pela abertura de novos espaços para mostrar o seu trabalho. Além de participar do Projeto Rondon, vou preparar a Semana Sérgio Ricardo que vai acontecer no MIS, de 10 a 15 de setembro. Nesse evento, apresento-me como cantor/compositor, cineasta e artista plástico. Aliás, é com esse trabalho que tenho viajado por todo o Brasil nos últimos anos.
– Significa dizer que, mesmo longe dos meios de comunicação e do noticiário, o Sérgio Ricardo continua a produzir ativamente?
– É o que resta ao artista. A cultura brasileira está mesmo um caos. Mas, nem por isso você pode cruzar os braços. A mim, não falta repertório, não faltam ideias e vontade de trabalhar. Sou um artista que anda afastado do primeiro plano da mídia em função da aridez que anda a cultura nacional. É bem verdade que atravessamos uma crise em todos os níveis. Mas, na área da cultura, ela é vergonhosa. Há ainda um rescaldo dos tempos da ditadura quando minha atuação como artista foi estigmatizada, duramente sacrificada. Vícios como esses ainda persistem no rádio, na TV… Mas, vivemos novos tempos e temos que persistir na luta, começar de novo.
– Essa tem sido uma queixa constante da classe artística. A quem você responsabilizaria por esse caos cultural?
– A culpa é do nosso maestro maior, o presidente Collor. Ele vem dando provas de que está equivocado com relação à política cultural. Parece propositalmente desconhecer inteiramente a questão. Com isso, vem aniquilando nossa cultura. E um povo sem cultura é um povo sem identidade.
– A situação já era precária antes do presidente?
– Pois é. Era horrível e ficou bem pior. Com os militares identificava-se, com facilidade, a repressão pela questão política. Agora, há o cerceamento do aspecto cultural em si. Substitui-se tudo o que seja manifestação espontânea, autêntica, verdadeiramente nossa, por um punhado de enlatados. Até parece uma forma de vingança já que os artistas, em sua expressiva maioria, votaram e fizeram campanha para o Lula. Parece que o presidente está indo à forra.
– Em termos musicais, por exemplo, você faria um paralelo entre a MPB dos tempos dos festivais com a de hoje?
– Toda e qualquer comparação fica prejudicada. Uma vez que há, hoje em dia, uma supervalorização dos enlatados. Temos nossos portos abertos ao que vem de fora. Noventa e nove por cento da música que se ouve no rádio e na TV é estrangeira. Quando não, é coisa feita aqui que imita a estrangeira. Como se fechássemos a torneira em que jorra o nosso petróleo para deliberadamente importar combustível do Exterior. O mais grave é que os artistas não podem ficar inertes, no fundo da terra, esperando melhor sorte. Precisam sobreviver, mostrar seu trabalho, ver sua arte reconhecida. Por isso, está havendo essa evasão de artistas para outros países. O mais importante disso tudo é que, lá fora, eles acabam se dando bem, fazendo sucesso, servindo de referência para trabalho de cantores e compositores estrangeiros. O que comprova a absurda inversão de valores que vivemos.
– Hoje, você se considera mais músico do que cineasta, mais cineasta do que artista plástico, mais artista plástico do que dramaturgo…
– Na verdade, forçado pelas circunstâncias, fui obrigado a abrir meu campo de atuação para diversas formas de arte. Me esforço para ser um bom músico, um bom cineasta, um bom pintor e assim sucessivamente. Já não me entenderia apenas como músico. Ou só cineasta ou só pintor… Ainda agora preparo o lançamento do meu livro (“Quem Quebrou Meu Violão”) em que procuro relatar esse processo de abandono cultural de 40 anos e a luta do artista para resgatar o espaço vital da sua arte. Também estou na batalha para viabilizar a distribuição do meu último álbum que é justamente “A História de João Joana”, gravado de forma independente. É o meu jeito de continuar na luta e ir passando por cima de todos os senões que um produtor cultural independente é obrigado a enfrentar no Brasil de hoje…
O que você acha?