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Sete tons de azuis *

Se pudesse escolheria ficar por aqui diante dos sete tons de azuis do mar da Ilha de San Andrés.

Nessa tarde dolente, o sol não se mostra dos mais escaldantes – e, sozinho, nesse píer abandonado, sento-me à borda no rústico cimento à espera do nada ou, quando muito, que os respingos de alguma onda mais abusada refresque meu corpo e tempere o remoer de pensamentos esparsos.

Por vezes, tenho a sensação de que, assim como esse espetáculo à minha frente, a vida se divide (e revela) em camadas não claramente definidas – nem sempre azuis, como o mar de San Andrés -, mas contínuas e finitas.

O vaivém das ondas, eu o comparo as atribulações nossas de cada dia.

Há que se superá-las sem que se incline em demasia o barco [e a coluna].

Navegá-las com destreza (e alguma ousadia) simula o passar do tempo, sina que é indelével a mim e a ele, o tempo [no dizer do poeta, “o senhor de todos os destinos”].

A linha do horizonte propõe o mistério do que está por vir.

II.

Vez ou outra alguém se aproxima, caminha pelo píer, mas não me faz companhia.

Sozinho ou em bando, quase todos os que chegam vem com o mesmo propósito.

Interessam-se mais em fotografar a si próprios do que em admirar um cenário tão raro, tão contundentemente belo.

Para eles, a onda é registrar nas tais redes sociais, instantaneamente, que estão felizes, sempre sorrindo, e lindos e elegantes e, assim digamos, invejáveis aos olhos do séquito de seguidores, groupies e afins que possuem no face, no instagram, no twitter, no whats e no que mais pintar.

Fazem caras e bocas, poses e gestos. São príncipes e princesas que reinam sem se incomodar com o plebeu ali ao lado que talvez lhe estrague o selfie.

Nada que, na edição, o photo shop não dê jeito.

Se não me chamarem de “tio” ou coisa do gênero, eles não me importunam. Sei que logo vão embora, à procura de outro cenário para exibirem sua alegria momentânea e postiça.

III.

Pensando melhor…

Talvez eu devesse invejá-los pela disponibilidade com que viram as costas, sem remorsos, para as nuances desse mar e se posicionam, soberanos, como o centro do mundo, do próprio mundo [ou do mundo que lhes interessa estar, eu diria].

Não conseguiria.

Diante de tamanha beleza, o que sei (e me cabe) fazer é olhar, olhar e olhar.

É o que me basta e consola.

Como já disse e repito agora: se pudesse escolheria ficar por aqui diante dos sete tons de azuis do mar da Ilha de San Andrés

PARTE 2.

– Na Ilha, me chamam de Caramelo. Mas, meu nome é Carmelo.

Eu acabo de conhecê-lo. É um negro esguio, aí por volta dos 30 anos. Que se aproxima do píer onde ainda estou [vendo a tarde se por diante dos sete tons de azuis do mar da Ilha de San Andrés].

Ele nasceu aqui e, como quase todos, vive do que o turismo lhe proporciona. Já foi barqueiro (“era bem divertido”), trabalhou em hotel (“odiava usar aquelas roupas”), em restaurantes (“gostava das gorjetas que recebia”), entre outras funções. Agora, diz ele, tem um negócio próprio. Vende miçangas e colares artesanais pelas praias e ruas comerciais.

Carmelo e a jovem mulher fazem os adereços (“mais ela do que eu”) à noite e, pela manhã, ele sai à cata de compradores, os turistas que visitam o lugar, “especialmente as moças bonitas”.

– Melhor assim, sou meu próprio patrão – e me sinto mais livre. Por enquanto, está bom. Aqui na Ilha, se vive um dia de cada vez.

II.

A bem da verdade, ele só veio até o píer porque havia um bando de jovens por aqui, com suas máquinas e celulares a fotografar tudo o que se via, inclusive e exageradamente a eles próprios.

Tentou vender seus artesanatos, mas não lhe deram atenção, Nem sequer o preço lhe perguntaram. Poderiam ao menos pechinchar, como é regra se fazer por essas bandas.

Trocou algumas palavras em inglês, com uma das moças. Depois, sentou-se na beira do píer, rindo, e puxou conversa:

– É, Brasil, vocês são bem divertidos. Gostam de falar em inglês com a gente. Só depois assumem o portunhol.

Desconfiei que o “Brasil” era eu. E quis saber: como soube que era brasileiro?

– Ora… Como lhe disse, vocês são divertidos, simpáticos, têm um jeito próprio de andar e, principalmente, nos olham como iguais.

– Ah! As mulheres são mui guapas, salerosas.

III.

Enquanto Carmelo ria maroto, eu me contento com a definição anterior.

Nem tudo está perdido, penso.

Em nosso País, vivemos um momento terrível, divisionista, com o avanço do conservadorismo. No íntimo, torço para que a percepção do moço ao lado seja mesmo uma verdade promissora. Tomara estejamos passando por uma transição, mas, no fundo, o brasileiro continua sendo “um homem cordial”, no dizer do historiador Sérgio Buarque de Holanda, o pai do Chico.

Quero retribuir o interesse generoso e amigo de Carmelo, então peço a ele que me fale da Ilha, a história, os pontos turísticos, como é viver aqui, essas coisas.

– Outra hora, Brasil. Preciso vender meus colares. Como lhe disse, na Ilha se vive um dia de cada vez

PARTE 3.

Carmelo não deu trela à minha curiosidade.

Mas, nos três dias em que lá fiquei, assuntei daqui e dali, como viajante parvo que sou por vocação e escolha, e posso lhes contar algumas coisas sobre o arquipélago.

Aliás, esta foi a minha primeira (e soberba) descoberta: San Andrés é a sede de um arquipélago de pequenas ilhotas também chamado San Andrés.

II.

Ingleses e espanhóis disputaram, ao longo dos séculos passados, quem ficaria com a soberania do lugar. Que hoje pertence à Colômbia embora fique a 700 quilômetros do litoral do país e a menos de 100 quilômetros da Nicarágua [país que também se arvorava dono do pedaço].

A Corte Internacional de Justiça deu parecer favorável à Colômbia em 19 de novembro de 2012.

Na Ilha, percebo que os nativos, no futebol, torcem pela Colômbia (e, onde você anda, vê a camisa da seleção). Quando se pergunta pela origem, eles preferem dizer que são “ilheenses”.

Faz sentido.

III.

Por formação e origem, a maior parte dos 77 mil habitantes se diz pertencer à raça “anglo-afro-caribenha”. Que adora Bob Marley e o reggae, a rumba, a cúmbia e todo e qualquer ritmo dançante, e exagerado.

São simpáticos, e brincalhões.

A pobreza do lugar não lhes tira o bom humor.

“A Ilha não fabrica nada. Tudo o que precisamos vem de fora. Até a água que bebemos, acredita? A que se usa nos hotéis para os turistas é desalinizada. Só o que a Ilha produz são coquinhos, pescados e… negritos”, me disse Carmelo ao me responder sobre a vida por aqui.

“Tudo o mais é turismo”.

PARTE 4

A grande esperança dos ilheenses repousa no crescimento do turismo [que a cada ano é maior e conta com o apoio interessado e interesseiro do governo colombiano].

Não espere encontrar, na Ilha, o requinte da Riviera Maya, nem a organização da afável Aruba ou o túnel do tempo de Havana (veja antes que acabe). San Andrés tem lá seus encantos que, aliás, você pode conhecê-los, numa boa, alugando um carrinho de golfe (por 30 dólares) e percorrendo os 26 quilômetros que formam o litoral de toda a ilha.

No trajeto, você vai tropeçando em atrações, digamos, rústicas; mas divertidas como a Piscinita, o Olho Soprador, a caverna do Pirata Morgan, o bairro típico de San Luiz, West Will e o Museu que conta um pouco da história da Ilha.

Reserve um dia, para conhecer a Ilha de Johnny Cay, (paradisíaca) e outro, para visitar o que chamam de Aquário e mergulhar (com snorks) entre peixes e arraias gigantes. Não faz bem o meu gênero, mas quase todos gostam.

II.

Sei que o dólar a 3 paus não dá mole à ninguém.

No entanto, se o turistão quiser se arriscar nas ruas comerciais da Ilha pode se dar bem. Especialmente se souber garimpar legal nas áreas de perfumaria, bebidas, eletrônicos, materiais esportivos, malas de viagem e similares.

Os artigos são livres de taxas, mas a conversinha dos vendedores pode confundir na hora de converter o preço de pesos colombianos para dólares e, posteriormente, para real.

Restaurantes e lanchonetes vão na mesma linha. Quase todos modestos, mas corretos nas opções de pratos e, vá lá, no preço.

O cafezinho na rede Juan Valdez, este sim, é imperdível.

III.

Não sei se ficou claro nesta série de textos, não espere luxo e sofisticação na estada que fizer na Ilha de San Andrés.

Eu, particularmente, me senti à vontade por ali. Principalmente quando me sentava à beira do píer e ficava, ali, de bobeira, admirando os sete tons de azuis do mar – verdadeiramente a grande atração do lugar.

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