Sentia-me acolhido todas as vezes que chegava ao Ipiranga pela manhã, dirigindo meu carro pela via Anchieta. Olhava, ao longe, a torre da igreja Imaculada Conceição à esquerda e a da Nossa Senhora Aparecida à minha direita.
— Deus nos abençoe, murmurava mesmo em pensamento.
Fiz esse trajeto diariamente por mais de duas décadas a caminho do serviço.
As duas construções destacavam-se em meio aos prédios, e me inspiravam a silenciosa oração e a certeza de uma boa jornada pela frente.
Entre São Bernardo, onde moro, e a redação de piso assoalhado na rua Bom Pastor, topava com duas outras igrejas mesmo que distantes: a de São João Batista, no Rudge Ramos, com imponente cúpula e a de São Vicente de Paulo, já em São Paulo, nos arredores da Anchieta.
No entanto, o momento de maior espiritualidade era aquele mesmo que me propiciava a visão dos obeliscos das tradicionais paróquias do tradicional bairro paulistano.
Pelo início deste século, quando ainda trabalhava em Sampa, pude acompanhar o crescimento dos prédios nas imediações da avenida Nazaré – área nobre do Ipiranga – e dei de barato, inevitável mesmo, o lento desaparecer da torre da Imaculada Conceição do meu campo de visão.
Fiquei triste, mas não lamentei. Restara a da Nossa Senhora Aparecida, construída na rua Labatut, onde só havia casas térreas; quando muito, sobrados. Fiquei mais ou menos tranqüilo. Até porque não sei quanto mede a torre, mas é altíssima.
Deixei de trabalhar no jornal há algum tempo – e tenho ido raras vezes a São Paulo. Quase sempre troco o percurso: troco o perímetro urbano da Anchieta pelas quebradas da Vergueiro.
Enfim, não passava pela região algum tempo.
Ontem, porém, tomei o velho caminho para o Ipiranga e me espantei com o que vi.
Vocês já devem imaginar…
Falta um tantinho para que se perca a visão da torre da igreja Nossa Senhora Aparecida, espremida entre o ´cinturão de ‘espigões’; alguns ainda em construção.
— Deus nos abençoe, murmurei; mais em tom de desalento do que de silenciosa oração.
* FOTO NO BLOG: Walter da Silva