Faz alguns anos. Não foram tantos. Mas, não sei precisar quantos. 1999 ou 2000, sei lá. Sei que o ano mal começara. Voltei entregue daqueles dias de estio entre o Natal e o reveillon. Arrastei-me até a Redação para o primeiro dia de trabalho…
O que será que ali me esperava?
Esperava-me a incumbência de entrevistar o ator Antônio Fagundes que à época era o chamado star multimídia. Estava simultaneamente em cartaz na TV (não lembro o nome da novela das oito na Globo), no teatro (com a peça Últimas Luas), no cinema (com Deus é Brasileiro) e acabara de lançar um CD com as canções do compositor João Pacífico.
A entrevista estava marcada para pontualmente às 15 horas numa das salas do Teatro Cultura Artística, ali na rua Nestor Pestana, no Centro de São Paulo.
Alguém na Redação chamou a minha atenção.
— Esse Fagundes é um ‘mala’. Se o cara atrasa um minuto, não entra no espetáculo. Vai ver, faz a mesma coisa com os repórteres. Se cuida, cara, senão já viu, né?
Ainda não havia digerido a informação por inteiro. Fagundes, multimídia, entrevista, atraso. Ouço outra observação.
— É bom não atrasar mesmo. E tem mais. O cara é sério. Não gosta muito desse papo de celebridade. Qual sua cor preferida? Prato que mais gosta? Música inesquecível? Sabe aquele papinho chinfrim de revista de fofoca, então…
Não disse palavra. Esperei o repórter-fotográfico Anísio Assunção e fomos, com alguma antecedência, para o teatro. Que belo começo de ano, pensei…
No caminho, ouvi as mil e uma aventuras de Anísio Assunção na semana de recesso. E tome blá-blá-blá… Fala sério, hein, que energia a do Anísio.
Aliás, um friozinho básico percorreu minha espinha quando lembrei os comentários de outros repórteres sobre o Anísio. Bom fotógrafo, mas tinha a péssima mania de se imiscuir nas entrevistas, com palpites, observações e perguntas.
— Ele perguntou mais do que eu – me disse um.
— O mineirinho fala mais do que a boca – esbravejou outro.
— O Anísio só atrapalha – alertou um terceiro.
Achava o Anísio um bom sujeito. Atrapalhado, roleiro. Mas, pronto a topar qualquer parada. Sempre que fizemos matérias juntos, não houve problemas. No entanto, seria bom deixá-lo de sobreaviso.
— Anísio, você ouviu a recomendação. Então, por favor, o cara é invocado. Não abra a boca, ok? Deixa comigo…
— O quê? O Fagundes? Conheço de cor as novelas que fez. Eu acho que…
— Anízião, vamos combinar? Você não acha nada. Faz as fotos sem chegar muito perto. E eu pergunto. Cada um na sua.
— Sem problema.
Assim que chegamos as meninas que faziam a assessoria de imprensa do ator vieram nos recepcionar. Chegamos 20 minutos mais cedo, o que percebemos soou como um alívio para as duas.
— Que ótimo que vocês chegaram. O Fagundes detesta atrasos.
Fiz o tipo educado. Falei que era nossa obrigação, pois respeitávamos nossos entrevistados e tal e cousa e lousa e mariposa.
E o Anísio quieto, na dele. Cumprimentou as moças com breve balançar da cabeça.
— Outra coisa. Gostaria de avisar a vocês. Não há um tempo certo para a entrevista. Pode durar quinze minutos como pode ir além. Depende do rumo da conversa.
Olhei firme para o Anísio. Queria me certificar se ele havia escutado a recomendação. Que para bom entendedor foi na linha do “se-for-papo-furado-tô-fora”.
O Anísio apenas sorriu sem graça. Continuou em silêncio.
Pontualmente às 13h50, como estava previsto, Fagundes chegou, de camisa florida, e de mãos dadas com a então esposa, Mara Carvalho.
Foi simpático e se comprometeu que em cinco minutos conversaríamos.
Foi o que aconteceu…
Falamos por hora e tanto. Gostei da entrevista – e principalmente em saber como um ator se prepara e o quanto de informação vai buscar até formatar o personagem.
Mudei a pauta no transcorrer da conversa – e falamos sobretudo sobre o espetáculo Últimas Luas, em que o tema da velhice é discutido com riso e lágrimas.
(Aliás a entrevista está no ícone Reportagens – 04.02.2000, acessem…)
Percebi no transcorrer do papo que Anísio estava enrijecido, olhos atentos. Fez seu trabalho com tal discrição que me surpreendeu.
Já na rua, à espera do carro que nos levaria de volta à Redação, o fotógrafo continuou em silêncio, mas não escondia a ansiedade.
— Vai, Anísio, desembucha. O que é que há?
— Será que eu posso ir lá fazer só uma perguntinha?
— Anísio. O cara está ensaiando.
— Mas, é uma perguntinha só…
— Que perguntinha Anísio?
— Assim: como é que é que é ser o rei do gado?
Juro agradeci a todos os santos a força que fizeram ao deixar o Anísio de boca fechada…