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Sobre crônicas e cronistas

Minhas duas amigas “leilas” comentaram o texto de ontem. Era a deixa que eu precisava para falar um pouquinho mais sobre a crônica e o ser cronista. Me permitam, caríssimos leitores, a liberdade de começar o post de hoje a partir das observações que as duas fizeram. Depois quero lhes contar uma brevíssima história do cronista Ignácio de Loyola Brandão.

II.

A Leila, de Nova York, me deu um puxão de orelha, via comentário que deixou sobre (e sob) o que escrevi.

Perguntou:

— Rodolfo, cadê AS cronistas?

Aproveitou, então, para fazer uma seleção de cronistas-mulheres que tanto contribuíram e contribuem para as letras nativas.

Vale a pena ler o post de ontem e conferir a lista.

Reconheço: foi uma falha indesculpável, da minha parte. Agradeço a deferência da amiga e ainda acrescento que, tal e qual um tabelião das palavras, endosso e dou fé a tudo o que escreveu essa novaiorquina, made in Brazil — que morre de saudades até do cinza do céu paulistano.

III.

Já a Leila, que vive em São Paulo e por isso mesmo não tem tempo de sentir saudades da cidade, preferiu um email generoso para com este sítio/blog. Email que transcrevo a seguir até porque ando com a alto-estima lavada e enxaguada nos contratempos dos dias atuais. Ando mesmo é com saudades de mim.

Diz a Leila, que também é jornalista:

“Acho que as leitoras estavam com saudades do autor, da conversa. Tenho a impressão de que nós, suas leitoras, do Ipiranga a Nova Iorque, somos especialmente solitárias. Gostamos de quando você fala de si, troca idéias… Todos gostam de participar… O blog fica mais movimentado, como um saloto, como dizem os italianos. Ainda sobre a lista de autores, certa vez, o José Mindlin me disse que os livros são capazes de mudar as nossas vidas, que ele era um antes de ler Dom Quixote, de Cervantes, e outro depois; era um antes de ler Guimarães Rosa e outro depois… Ler as sábias bobagenzinhas de Quintana é importante para ver até as desgraças com humor. Há ainda Carlos Drummond… Como poderíamos entender o desamor, se não tivéssemos lido “o João que amava Maria, que amava José (…)". E como saber do amor sem ler Vinicius de Moraes…”

IV.

Pois é…

Uma Leila entende tudo de crônica. A outra, até quando dá bom dia, é uma cronista de mão cheia…

Vejam que viagem linda a crônica propõe. Ora por caminhos desconhecidos. Ora por atalhos a desbravar. O gênero sugere um olhar mais alongado sobre as delicadezas da vida cotidiana. Dos sentimentos que são universais, mas só se revelam aos olhos de um (o cronista) que os espalha mundo afora. Especialmente para os que buscam e sonham e vivem e assumem o risco da felicidade plena.

“Detalhes tão pequenos de nós dois
são coisas muito grande pra esquecer.
E eles vão estar presentes.
Você vai ver."

Há crônica nas letras das músicas, óbvio.

Falam de amor/desamor como Detalhes, de Roberto e Erasmo. Ou questionam o homem e o existir, como Hoje, do saudoso Taiguara:

"Hoje, trago em meu corpo
as marcas do meu tempo.
Meu desespero,
a vida num momento."

Há ainda as que prenunciam uma nova era, como bem escreveu Chico Buarque nos tempos do obscurantismo.

"Apesar de você,
amanhã há de ser
um novo dia".

Os senhores do Poder viram – sem enxergar – pouco a pouco a sociedade se informar em crônicas musicais. Versos e acordes que demoliram a fortaleza da ditadura ao dar ciência à sociedade brasileira do horror que aqui acontecia.

V.

Uma história que vivi.

Numa manhã de sol, há três, quatro anos, participei da banca avaliadora de um Trabalho de Conclusão de Curso, de estudantes de jornalismo. Dividiam o trabalho comigo o professor-orientador, o amigo Marcelo Pimentel, e o convidado era o jornalista Ignácio de Loyola Brandão, ilustre escritor e cronista.

Estávamos alunos e professores apreensivos. Afinal, eles apresentariam o resultado de quatro anos de curso num livro-reportagem que seria julgado por um dos grandes nomes da literatura brasileira. Com idêntica dimensão no jornalismo. Inclusive, nós, professores, nos preparamos para não fazer feio com nossas observações. Como o convidado externo, reza o protocolo, é o primeiro a falar, ficamos espertos e redobramos nossos cuidados.

Chegou o dia. E os alunos fizeram sua apresentação de 20 a 30 minutos. Foram bem, seguraram a onda; mas era perceptível o nervosismo. Foi então hora de ouvirmos o veredicto de Loyola. Segundos de tensão e silêncio, inclusive a platéia. O jornalista pegou o microfone, se pôs de pé, mostrou o livro para a platéia e foi definitivo.

— Se eu tivesse escrito algo assim aos 20 anos de idade, hoje eu seria seguramente Premio Nobel de Literatura…

Deu nota máxima aos garotos. E encerrou seus comentários com largo sorriso e a puxar uma salva de palmas para os estudantes.

Ou seja, até mesmo a avaliação de um trabalho acadêmico Loyola transformou em crônica. Onde a emoção e o envolvimento são indispensáveis…

Foi um dia inesquecível para todos nós*.

VI.

* Nós, os que estavam presentes no salão Iota da Universidade Metodista de São Paulo: professores, pais, familiares e amigos dos formandos Allanda Gil, Cássio Waki, Felipe Guimarães e Guilherme Roseguini; autores de “Quando Éramos Reis”. O livro-reportagem narra a trajetória de quatro dos cinco integrantes do mais famoso ataque do futebol mundial – Dorval, Mengálvio, Coutinho e Pepe. O quinto elemento, Pelé, toda vez que era citado no livro, era identificado simplesmente como “Ele”, reverência ao deus da bola.

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