Somos um animal político.
Dizem: é o que nos diferencia das demais criaturas do Planeta.
Eta, comecinho lugar comum, mas acho bom para embalar a conversa de hoje.
Quero debater com vocês, meus queridos cinco ou seis leitores, um tema que levei para a sala de aula na disciplina História do Jornalismo Brasileiro.
Não, não é um fato histórico.
Mas, sim, uma questão que dá embasamento crítico à missão do jornalismo: os conceitos de neutralidade, imparcialidade e parcialidade.
II.
A propósito, vocês conhecem algum jornalista neutro?
Vamos ampliar a questão.
Vocês conhecem alguém assim?
Para quem tanto faz como tanto fez…
Deu para perceber que, de um jeito ou de outro, sempre procuramos um jeito de manifestar o que pensamos, o que sentimos, o que queremos, o que achamos certo ou errado.
Ia escrever “é da vida e dos amores”, mas parei a tempo para não que vocês não digam:
“Ah! ele sempre escreve isso”.
Ou seja, já estariam expressando um juízo de valor.
No mínimo, um comentário.
III.
Alguém poderia dizer:
“Nossa, como ele é repetitivo.”
Outro, talvez, observasse:
“Entre um bloco e outro, via de regra, ele usa a mesma frase”.
A mais sensível poderia suspirar:
“Que bonito. Gosto tanto quanto ele escreve isso”.
O mais realista, porém, não me perdoaria:
“Esse cara está enrolando.”
IV.
Sinceramente…
Acho que estou mesmo.
Quer dizer, não é por mal.
Me empolguei no conversê e perdi o foco.
Mas, voltemos à sala de aula.
V.
Para os estudantes – e, creio, para muita gente – ser imparcial é não ter opinião.
É procurar manter um noticiário eqüidistante, frio; tipo relatório.
Ou como alertava o velho Marques, meu primeiro editor:
“Fuja do texto insípido, inodoro e incolor”.
Tradução:
Quem no jornalismo pretende a neutralidade chega à incompetência; nunca à imparcialidade.
VI.
Explico.
O conceito de imparcialidade pressupõe análise, interpretação e, principalmente, um posicionamento crítico e independente por parte do repórter. Óbvio que, para tanto, ele terá que se dar ao trabalho de apurar os diversos ângulos da notícia, ouvir as partes envolvidas, levantar o histórico, as conseqüências etc etc etc.
De posse deste material, é natural que embique o texto para os pontos de maior relevância junto ao grande público. Enfatizará assim o positivo e o negativo.
Como diriam os mais antigos…
“A verdade dos fatos, doa a quem doer”.
VII.
Se após todo esse trabalho, o jornalista tiver de levantar uma bandeira, defender uma causa, considerar um candidato melhor do que o outro – é importante que o faça.
Não como um juiz, que jornalista não é.
Não como polícia, que jornalista não é.
Não como o deus que, cá para nós, jornalista imagina ser.
Mas, como um jornalista que se deu ao trabalho de apurar o fato às últimas conseqüências.
VIII.
De outro modo, ser parcial é privilegiar o interesse particular à causa pública.Tirar proveito de alguma situação em benefício próprio ou de grupos afins.
É célebre a discussão, nos meios jornalísticos, sobre cobertura das eleições de 2006. Parece que a mídia toda apostava numa arrancada do candidato tucano Geraldo Alckmin e trabalhava nesse sentido. Um dos pratos prediletos desses debates é a imagem da dinheirama do Dossiê das Ambulâncias que a Globo deixou no ar por dois minutos em pleno Jornal Nacional e não noticiou o acidente da Gol, que aconteceu no mesmo dia.
A notícia foi dada depois num Plantão do JN que interrompeu a novela.
Os acusadores dizem que a estratégia foi adotada para não tirar o foco das denúncias contra a candidatura petista. Na Globo, a história é que a notícia do acidente ainda carecia de confirmação para ser veiculada.
Quem tem razão?
IX.
Fica claro, no entanto, que jornalista nenhum consegue a tal neutralidade.
Ainda bem.
Em certa ocasião, ouvi do jornalista Mino Carta que podemos emitir um juízo de valor até mesmo no simples colocar de uma vírgula.
Querem uma prova.
Lá pelos anos 40, na Época de Ouro do Rádio, Marino Pinto e Herivelto Martins escreveram e a voz do caboclinho seresteiro Sílvio Caldas consagrou o samba-canção "Cabelos Brancos" que terminava com o seguinte verso:
“Respeitem ao menos os meus cabelos brancos”.
Há cerca de dois ou três anos, o maranhense Chico César fez um samba-reggae entre o contestador e o debochado. Adivinhem como é o título?
“Respeitem ao menos os meus cabelos, brancos”.
Sutil, mas decisivo.
Bastou uma virgula para mudar tudo…
X.
É assim…
Na vida.
e nos amores.
(E juro que não estou
de enrolação, não…)