A amiga Leila está escrevendo um livro sobre ilustre e feliz torcedor do São Paulo. O tal é um bacanaço na sua área de atuação e vai lhe contar tintim po tintim a história da sua vida . Ela vai organizar e transformar o depoimento num belíssimo texto – que a moça é craque nesse enfileirar de letrinhas. Eu e o biografado temos em comum, além da amizade da Leila, uma desmedida paixão pelo futebol. Com uma grande diferença, e vocês sabem qual…
Sou palmeirense, de origem, tradição, brasão, procedência e cuore arrebatado.
Mesmo assim e para entender melhor seu personagem – que me parece é de pouca fala –, ela me faz uma pergunta a título de consulta. Quer que eu lhe descreva a emoção de um estádio de futebol já que sou assíduo freqüentador — diria que já fui mais empolgado com o tal esporte bretão.
Óbvio que eu não perderia, por nada neste mundo, a oportunidade de transformar tal assunto num post/crônica para ganhar o meu dia.
Se me permitem, vamos aos fatos.
Primeiro de tudo.
Não se vai a um campo de futebol como se programa ir a um cinema ou ao teatro. Nem pensar. Filme ou peça podem ser bons ou ruins, tanto faz. A vida continua. Quando muito, você reclamará um tantinho se não gostar ou aplaudirá entusiasticamente se for algo memorável. Pode até dar alguma discussão daquelas mais intelectualizadas – mas, só.
Uma partida de futebol é diferente e, acrescente-se, memorável. Sempre.
Não importa se boa ou ruim. Importa a vitória do seu time e tudo que esta conquista encerra – os três pontos, o título, a classificação para a Libertadores, a gozação do dia seguinte. Amor e ódio, sem tirar, nem por.
Pode ser um grande jogo, mas de nada adiantará se o time perder. Você fica arrasado por horas, dias, meses, anos. A cada segundo, verá à sua frente o gol que o centro-avante perdeu (você não perderia), a furada do zagueiro (você mandaria aquela bola para a Lua, mas tiraria da área) e aquela bola fácil que o goleirão tomou por baixo do corpo. O que que é isso, minha gente!
Exagero?
Entenda, Leila, vai-se do inferno ao paraíso em segundos – e vice-versa.
Se o juiz ‘madrakear’ seu time (como aconteceu ontem com o Palmeiras no Sul do País quando um carioca ‘esperto’ fez que viu o que não viu e apitou o que não viu como se tivesse visto), aí dele se lhe aparecer pela frente. O próprio Capitão Nascimento, de Tropa de Elite, proporia uma trégüa e seria incapaz de lhe segurar. Certamente até o Wagner Moura se espantaria quando você mandasse “por no saco” o destemperado até que o fanfarrão confessasse que é flamenguista ou no mínimo estava a serviço de “forças maiores”. Plim plim.
Vou lhe dizer, amiga.
Nem Zé Celso Correa, com suas peraltices cênicas, é capaz de integrar tanto e tão sobejamente público e artistas. Não há explicação que beire a sensatez. Minuto a minuto, segundo a segundo, você se vê protagonista, parte do espetáculo, capaz de mudar com seus berros a história do jogo. Xinga o juiz, orienta o técnico a orientar o time, chuta o ar e aplaude como se fosse o próprio garoto driblador. Defende a bola impossível e faz o gol no último minuto. Sente-se tão campeão quanto qualquer outro boleiro, mas não entrar em campo, não assina contrato, não vê um tostãozinho a mais no seu holerite.
Somos todos e somos um.
Melhor dizendo. Quase todos. Só não somos o juiz porque, convenhamos, precisa ter barulho de carroça na cabeça para querer ser juiz de futebol.
A vida real, acredite, Leila, fica do lado de fora dos estádios.
Por isso, ir ao futebol – faça chuva ou faça sol – é um ato de fé e – infelizmente hoje em dia – de coragem. Para tanto, cada qual tem o próprio ritual. Uns vão sozinhos com o radinho grudado na orelha, outros com a turma de amigos. Há os que vão com os familiares — e acho que aqui me encaixo.
Assim como comecei a ir aos estádios acompanhando meu pai –o velho Aldo, que gostava de assistir ao jogo junto ao alambrado –, eu só vou ao campo com o meu filho, Rodolfo. Ah! Gosto demais quando também vão os meus sobrinhos e os filhos dos meus sobrinhos. Aí parece que estamos a fazer reverência a história dos Martino, Garófalo, Chizzolini, Avezzani, Mango…
Dá para entender?
Não, né?
Mas, quando surge o alvi-verde imponente, parece que um pouco da vida de cada um de nós entra em campo também.
Para o que der e vier.
E é maravilhoso…
Ganhar ou perder é contingência. Da partida e da vida. Com uma diferença. No futebol, sempre haverá o jogo seguinte…