Ilustração enviada pelo amigo e sempre_vereador Almir Guimarães. Uma dica para os meus desencantos.
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Desconfio que sim, meu caro Sérgio.
Em algum momento, todos aqueles que vivem para escrever (e escrevem para viver) já pensaram em parar com essa estranha lida que o melhor de todos nós, o venerando cronista Rubem Braga (1913/1990), descreveu como ” viver em voz alta”.
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Nas redações por onde andei (e mesmo fora delas), ouvi vários relatos neste sentido de amigos próximos e distantes, tipo:
“Deu pra mim. Parei.”
Ou:
“Já contei todas as histórias que gostariam de contar.”
Com a vivência desses 50 anos de estrada, imagino que hoje consiga entendê-los – e até os aplaudir pela coragem e decisão.
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Alguns têm a sídrome de Sílvio Caldas (1908/1998), nosso notável seresteiro.
O cantor popular era useiro e vezeiro em anunciar a despedida dos palcos.
Dava um tempinho. E lá estava ele a debulhar-se em ‘Chão de Estrelas’, ‘No Rancho Fundo’. ‘Casinha Pequenina’, ‘Eu Sonhei Que Tu Estava Tão Linda’, ‘Cabelos Brancos’, entre outros tantos sucessos inesquecíveis.
Enfim…
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Sobre parar de escrever, tomar a decisão e ser fiel a ela, posso lhes citar um exemplo do nosso convívio (pois, o figura é constante em minhas crônicas): o Escova.
Sensibilíssimo repórter. Das antigas.
Sabia perguntar, sabia ouvir, sabia interpretar, escrevia muito bem, direto e reto, Não deixava pontas soltas.
A matéria saía redonda, nos trinques.
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Fui coppy-desk de seus textos por algum tempo. Mamão com açúcar. A reportagem vinha pronta. Um ou outro vacilo na datilografia (redigíamos na máquina de escrever, rapaziada), mas, de resto, era só contar o número de linhas e toques, diagramar e mandar a página para oficina.
O gajo vivia atrasado.
Era sempre o último a entregar o texto.
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Um belo dia, o homem falou que pensava em se aposentar.
Embicava nos 60 à época e se dizia “cansado de enxugar gelo”.
“Nada mudou. Nada vai mudar. Não adianta. Escrever é uma platitude, meus caros e preclaros.”
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Oxi!
Desconsideramos.
Escova, vale dizer, tinha lá seus laivos dramáticos no gestual e na vida. Gostava de uma cena.
Meses depois, anunciou que estava saindo do jornal.
Arranjou outro emprego?
Não.
“Deu pra mim. Parei.”
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Ressalto que a decisão do Escova é anterior ao boom da Internet e ao domínio cruel das tais redes sociais onde todos falam e poucos escutam – e, detalhe, quando escutam só levam a sério se o fato lhe convêm.
E foi assim, amigo e leitor Sérgio, que acabou a trajetória do repórter Escova, o Dom Juan das Quebradas do Sacomã, o Rei da Trampolinagem, como o chamávamos naqueles idos, vividos e sinuosos tempos.
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De minha parte, lido com o dilema diariamente.
Tenho uma tendência a concordar com o Escova no atacado.
Nada vai mudar.
Mas, no varejo do dia a dia, ainda insisto no Blog e nos livros (mesmo que esses sejam mais esporádicos).
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Sinceramente, não sei se vou parar de escrever um dia.
Sei apenas que sua mensagem/pergunta salvou o texto de hoje.
Valeu!
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O que você acha?