Já lhes disse aqui da minha estranheza com a levada asséptica das redações de hoje.
Escrevi até um livro – Meus Caros Amigos. Crônicas sobre jornalistas, boêmios e paixões – sobre o lado B dos jornalistas de antanho.
Enfim…
Ainda por esses dias lembrei-me de uma história daqueles idos até por força do “disse me disse” que gerou o propalado fim das bolsas de plásticos dos supermercados; hoje, tão politicamente condenáveis quanto os usos e costumes das velhas redações.
Só para ficar em um exemplo básico: todos fumavam – e muito.
Chegar ao recinto na hora do ‘fechamento’ era necessariamente enfrentar a densa névoa que se espalhava sobre mesas e máquinas de escrever.
Falava-se alto e discutia-se acaloradamente por qualquer motivo.
Quando baixava uma página para a oficina, um sonoro berro deixava todos
informados de a quanta andava a edição.
– DESCE A TRÊS…
Ao leigo, aquilo era a sucursal do inferno.
Para quem viva disso e por isso, era o que chamávamos de vida.
Todo esse intróito (gostaram do refinamento do vocabulário) é para falar de um dos nossos, o Geraldo. Jornalista de mão cheia – e pé de chinelo, como costumávamos provocá-lo naqueles idos e havidos.
Explico logo que a expressão “pé de chinelo” não trazia em si qualquer intenção pejorativa. Apenas descritiva.
Só a empregávamos porque o desacanhado do Geraldo tinha por hábito zanzar para lá e para cá na redação, calçando um par de chinelos desses que os vôzinhos antigos usavam assim que saíam da cadeira de balanço.
Ninguém entendia a mania.
Um repórter de texto elegante, de fino trato para com as pessoas, bastava chegar da rua para tirar o bruto da gaveta de baixo e, antes mesmo de nos brindar com um o bom dia, punha se à vontade com os pés.
Aos poucos, fomos nos acostumando com o andar arrastado do Gera e à pertinácia de sua justificativa:
— Uns afrouxam o nó da gravata, outros tiram o paletó, quase todos trabalham de mangas arregaçadas. Então, por que eu não posso ficar de chinelos na redação?
Depois, era de emocionar vê-lo, ao fim do expediente, enrolar o par de chinelos em folhas de jornal e acondiciona-lo em uma sacola de plástico – artigo raro à época – para cuidadosamente guardar o embrulho na última gaveta.
Fechava a dita-cuja gaveta, propalando a frase que se tornou famosa:
— Missão cumprida.
Pois bem, caríssimos e fiéis cinco ou seis leitores, vejam a historia que uma então inofensiva sacolinha me fez lembrar…
Missão cumprida.
Volto amanhã.