Amiga, Leila, permita-me…
Vou usar como mote o seu aniversário (11 de novembro, que mais uma vez esqueci, falha imperdoável)) para entrar de alma e corpo – e a inversão aqui é justificada – no túnel do tempo e parar lá nos idos e findos anos 70. Trabalhávamos juntos na então combativa redação de Gazeta do Ipiranga. E como trabalhávamos!
Éramos jovens, quer dizer você e a Regina, bem mais do que eu. E ainda havia: o fotógrafo Clamic e o ‘big brother’ José Nascimento que, de soslaio e ancorado num perfumado cachimbo, a tudo via e discretamente nos orientava pelo caminho das pedras e das notícias.
Vez ou outra a sala sóbria e espaçosa do velho sobradão da rua Bom Pastor recebia as trepidantes visitas do socialista Zé Jofre (‘patrão bom nasce morto’) e do brincante Ismael Fernandes, colunista de TV e cinema. Outros também pererecavam por ali – o vereador Almir Guimarães, o Toporcov, o Natal Saliba, o saudoso Prof. Mendes –, mas o pessoal aí de cima era o que tinha voz e vez em cena aberta.
II.
Queríamos um Brasil livre, soberano e democrático. Modestamente, mas com tanta gana, tantos sonhos. Com dignidade, independência e textos, textos, textos. Como escrevíamos! Esquentávamos o radiador das velhas Olivettis. Toc, toc, toc. Totoc, toc… Laudas e mais laudas. As fotos em preto e branco para ilustrar. O Clamic e a velha Laica caixote nada perdiam. Dos buracos na periferia à Praça da Sé, turbinada por um milhão de vozes pelas diretas já. Sabe quanto tempo faz? Lá se vão 22 anos.
Mas, não é do passado que quero falar neste espaço. Até porque quase todo esse pessoal habita o Planeta chamado Saudades, e sempre que posso o reverencio em orações, escritos e citações em sala de aula.
Hoje, porém, sugiro distância da nostalgia ou qualquer forma de tristeza, mesmo que suave. Primeiro, porque estou feliz com as notícias que recebo de você, ainda que virtual, e mais ainda pelas histórias tidas, vividas e a viver que agora você me conta.
III.
Quer dizer que a moça agora, além de repórter – das melhores que conheço – virou escritora, especializada em artes plásticas. E que os filhos Edu e Juli andam a passos largos e firmes. O Edu é designer e músico, que bonito! E a Juli formou-se em jornalismo (hum!), trabalha e agora vai fazer mestrado na USP em Comunicação Social. Imagino a sua alegria e faço dela razão do meu sorriso neste domingão ensolarado.
Ai, ai, ai. Que trem melhor de bão, sô – diria o cearense Zé Jofre, com jeito matuto de quem encerrou seus dias às margens do rio Bonito, no Mato Grosso.
IV.
Você diz que isso não é o essencial. Em mensagens mais recentes, usa a lente dos dias idos para ver o futuro. Trabalhar, sim. Escrever, sempre. Deixar a impressão digital sobre o mundo, claro. Mas, no fundo, seria sempre o que diz hoje ser e querer: uma mulher como tantas que só pretendem envelhecer ao lado dos filhos e ver os netos – ainda por vir – a brincar felizes num tanquinho de areia.
Eis a Leila, cronista dos dias iguais e belos, que sempre admirei e admiro nos textos e na vida. Sempre a fazer poesia e a enxergar o belo de um jeito belo que deixa o belo mais belo ainda…
V.
Deixe estar, amiga. O Clamic era avoado, mas um bom fotógrafo. Uma vez numa discussão com o sabetudo Nascimento sacou essa: viver é igual a beber num balcão de mármore da padaria da esquina. Todos estranharam a comparação. Ele continuou. Se for para refrescar, a breja gelada, que seja a talagadas. Se for para aquecer, tempo de inverno, a cachaça, o conhaque ou mesmo o vinho tosco deve ser sorvido aos goles. Esquenta alma, coração e ainda você tem chance de ver se o tempo melhora lá fora. Ninguém entendeu, mas todos concordaram mesmo assim…
Éramos um bando de sonhadores. Ingênuos, talvez. Quem sabe, tolos? Mas, sonhadores sempre. E sonhos, moça, como diz a canção… Sonhos não envelhecem…
Parabéns!