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Sonhar é de graça

“Viver é melhor que sonhar” – ensina uma linda canção de Belchior, lá dos idos de 70, quando eu era jovem e inconseqüente [mas, nem tanto].

Hoje, ouso discordar da sabedoria do poeta cearense.

Mas, só hoje que sou fã de carteirinha das canções de Antônio Carlos Gomes Belchior Fontenelle Fernandes.

II.

É que hoje foi um dia daqueles.

O mar não está para peixe, mesmo para quem mora longe das praias [como eu].

A Bolsa desabou e o dólar subiu – e foi um salve-se quem puder. Mesmo para os lesados como eu que mal ganham para saldar o que devem e ainda assim ficam com devaneios de passar o fim de ano em uma vilazinha italiana, por exemplo. Ou em algum Mont Michel escondido nos confins da Normandia…

A neve, os casacos, castelos; aquela coisa toda em euro, sabem como é?

Não.

Nem eu.

III.

Mas, sonhar é de graça, rapaziada.

Aliás, quem não aprende a sonhar, desconfio, não sabe viver.

Querem ver uma coisa que sempre me intrigou nesses períodos eleitorais, aproveitando que os jornalões divulgam amanhã o resultado das últimas pesquisas? É quando todo mundo já se deu conta que o Fulano vai perder e mesmo assim o cara segue firme. Fala em projetos, realizações e termina com aquela bravata:

— À vitória, minha gente!

Quase sempre eu não acredito que vencerão, mas acredito que eles acreditam no que acreditam. Entenderam?

Alguns têm lá suas razões.

Muitas vezes o resultado das urnas é imprevisível.

Vai que passa um anjo torto – e diz amém.

IV.

Às vezes, não dá para controlar.

A coisa toda não é sonho é delírio.

Lembro que, lá nos mais antigos dos anos, este modesto escriba foi o escolhido para entrevistar um candidato a deputado estadual que visitava o jornal. Aliás, era tudo o que a gente queria. Um tantão de serviço para fazer – e eis que surge o lindo lindão a falar que teria só naquela região mais de 50 mil votos.

Escapou-me – sem querer, juro – um riso de incredulidade.

O homem virou fera. Tentou me interpelar:

— Você não acredita?

Eu, um tanto quanto cínico:

— Não disse nada.

Outro salseiro.

Um repórter amigo intercedeu e terminou a entrevista.

V.

Um repórter não deve agir assim. Mas, como eu escrevi acima, era jovem e inconseqüente. Mas, nem tanto. Minhas previsões estavam corretas.O moçoilo teve algo em torno de 2 mil votos. Ficou entre os últimos. Mesmo assim se apresentava como suplente de deputado estadual.

Era mesmo um inveterado sonhador.

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