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Sonhos

Tenho no meu modesto currículo algumas dezenas de ‘fechamentos’ de bares refinados, botecos malfalados, sujinhos e afins. Foi em tempos idos quando amigos queridos e conversas sem fim me arrastavam e se arrastavam madrugada adentro.

Inesquecível aquele papo no Bar Riviera com o saudoso Nasci dissertando sobre Pasolini, Godard e outros cineastas cujas obras sequer lembrava de ter assistido um dia na vida – este reconhecimento se deu, óbvio, depois que o pifão passou.

Quando saímos do bar (que depois virou cult) era dia claro. O sol ardeu em nossos olhos fatigados e sonolentos.

Ficamos perplexos ali, por segundos nos entreolhamos e rimos ainda um tanto breacos. Mal nos demos conta que o Nasci havia descambado sobre o capô de um dos automóveis, ali estacionados, e dormia o sono dos justos e faladores.

II.

Ontem revivi um tantinho esses bons momentos.

Encontrei dois queridos amigos jornalistas, o Lucas e o Cassaro, em uma pizzaria no bairro de Higienópolis. Lembramos velhas histórias e causos do tempo em que ambos eram estudantes de jornalismo.

Rimos a valer. Especialmente das peripécias de outro amigo, também professor como eu, o Marceleza. Lembramos a tarde em que fechávamos o jornal experimental com os estagiários, e pintou lá certo desconforto a respeito de algum malentendido qualquer.

Houve muita discussão.

Por fim, descobrimos que os estudantes estavam inocentes.

E tudo não passou de um grande equívoco.

III.

Os meninos ficaram chateados com a nossa desconfiança, e o clima ficou pesado.

Não era assim que sempre trabalhávamos.

Primávamos pela descontração e camaradagem.

Estava chata demais aquela situação.

Marceleza não teve dúvidas.

Desapareceu por 20 minutos.

IV.

Quando retornou, trazia um enorme embrulho consigo.

Depositou o que pareceu ser uma bandeja sobre a mesa.

Chamou a todos para o momento solene.

Ao desfazer o pacote, aos nossos olhos, surgiram dezenas de sonhos, desses de padaria; enormes, sugestivos, inebriantes.

Na maior cara-de-pau, o Marceleza consagrou a inesquecível frase:

— Meus queridos, sirvam-se, vamos voltar a sonhar juntos.

Foi o suficiente para que a alegria retornasse, e todos esquecêssemos o azedume da situação.

V.

Ontem, ainda ríamos da lembrança, quando nos demos conta de que só havia nós e os funcionários da casa – e com cara de poucos amigos.

Vimos que era hora de ir, embora não fosse nem duas da manhã.

Os tempos são outros, é bem verdade.

De qualquer forma, inaugurei uma nova modalidade de ‘fechamento’ em minha humilde história na boemia. Posso dizer, tal e qual o Marceleza, em alto e bom som:

— Já fechei até pizzaria…

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