Naqueles idos dos anos 50, São Paulo já dava indícios da metrópole em que se transformaria.
Não conhecia motoboys, nem motoqueiros.
As lambretas ainda não haviam virado a coqueluche – o que aconteceria anos depois.
Eram raras as motocicletas que circulavam pelas ruas calçadas de paralelepípedos da cidade.
Chamava-se de motociclista quem possuía uma delas.
Pois não é que havia um motociclista que morava na Vila da Alegria.
Ele alugava um quarto na casa de um casal de idoso.
A moto dormia na calçada em frente à janela que dava para a rua e o quarto do rapaz. Ele a cobria com uma lona, dessas que os caminhoneiros usam para resguardar a carga.
Para a garotada da Vila, era um verdadeiro ritual vê-lo tirar a proteção da moto e fazê-la pegar, com fortes pedaladas.
O ébano da lataria ressurgia faiscante, e fazia surgir o monstro abissal que logo se punha a rugir.
Carros não entravam na Vila.
Daí que as chegadas e saídas do motociclista eram a principal preocupação dos pais.
Vários deles pediram prudência ao rapaz, pois os filhos e os amigos dos filhos viviam de brincadeiras pela Vila – e não seria justo poupá-los dessa alegria em função dos eventuais riscos pela passagem do veículo.
De olho nos encantos de Pia Rosa, a filha da dona Pimeta e do seo Giusepe, o motociclistas jurou todos os cuidados possíveis e imagináveis.
Era um bom moço, diziam todos.
Não raras vezes o viram subindo e descendo a Vila empurrando a ‘bichinha’.
Só que, mesmo assim, certa noite aconteceu o que todos temiam.
Foi num átimo de segundo.
O moço conversava com Pia Rosa na beira da calçada. Ainda inebriado pelo olhar da amada, acelerou a moto no exato instante em que Tchinim saiu do esconderijo e corria em direção ao pique.
O choque foi inevitável – assim como os gritos de socorro que vieram a seguir.
A Vila inteira saiu à rua para inteirar-se da quase tragédia.
Tudo não passou de um susto.
Quando o garoto voltou a si, estava na farmácia do Sr. Júlio.
Ostentava um pequeno corte no rosto – e um sorriso maroto.
Do atropelamento nada lembrava – para alguns, foi Tchinim que atropelou a moto. Mas, ainda sentia a maciez do colo de Pia Rosa, a primeira a lhe socorrer.