Isaías não é o profeta.
Isaías é o porteiro de um prédio no bairro onde moro.
Ele costuma caminhar pela mesma avenida do que eu, nas manhãs em que me permito esse luxo atlético.
Isaías está sempre por lá. Pega no batente às 10, fica até às 18 e mora não sei bem onde, em um bairro afastado.
É um homem simples, um brasileiro.
Estava prestes a escrever que Isaías é “um brasileiro comum”. Mas, me detive assim que lembrei que o meu quase-amigo não tem celular. O que é uma
invejável em nossos tempos.
– Me sinto vigiado, não gosto. Os filhos estão crescidos. A mulher, em casa. São as únicas coisas verdadeiramente importantes nesse mundo. De resto, quem quiser que me ache.
II.
Gosto de encontrá-lo nas caminhadas. Por vezes, seguimos lado a lado, conversando. Temos quase o mesmo ritmo de passada; rápido, mas sem pressa.
É mais velho que eu, alguns anos.
Mas, está rijo e forte.
Por vezes, ele lembra o pai pela simplicidade e objetividade de suas opiniões.
III.
Ele sabe que eu sou jornalista.
Por isso, usou de toda a sinceridade para uma pergunta preciosa.
– Vocês estão todos apoiando o Aécio, fala verdade?
– Vocês, quem, cara pálida?
Respondi já imaginando que viria chumbo grosso pela frente.
– Vocês, jornalistas, oras – disse ele.
IV.
Nunca soube exatamente o grau de instrução de Isaías.
Sei, no entanto, que é um cidadão bem informado. Que gosta de ‘sapear’ os jornais e revistas que chegam aos assinantes do prédio onde trabalha. Também vê os noticiários da TV e o radinho é seu companheiro inseparável na solidão da portaria indevassável, blindada aos curiosos e aos eventuais assaltantes.
– Vocês estão querendo eleger o homem como fizeram com o Collor. Tem um perigo aí…
V.
Justo hoje que estou animado para falar do Palmeiras, do Valdívia, da volta do Fernando Prass, o cara vem com essa.
Parei.
Mas, me senti na obrigação de, na medida do possível, defender a classe.
Não são exatamente os jornalistas que apóiam este ou aquele candidato – e não é de hoje. São os donos dos jornais, das TVs, das rádios…
Eu ia lhe falar que cada veículo de comunicação tem lá seu projeto editorial, seus interesses, suas causas e lutas etc e tal. Mas, como lhes disse, Isaías (que não é o profeta, mas enxerga longe) é muito parecido com o meu saudoso pai, direto e reto nas conclusões.
– Dá no mesmo, disse e encerrou o papo.