Há tempos estava à procura do livro Terra dos Homens, de Antoine Saint-Exupéry. Escrito em 1939, a obra recebeu uma impecável edição brasileira coapresentação do jornalista Armando Nogueira e tradução do escritor e cronista Rubem Braga.
No texto de abertura, Nogueira destaca:
“Saint-Exupéry tornou-se piloto civil aos 21 anos. Aos 26 integrou a equipe que foi sobrevoar o Saara e os Andes levando o correio aéreo da Europa para a África e América do Sul. Como devia ser a emoção de voar em aparelhos tão pequenos, contando apenas com a hélice e sem nenhuma pressurização? É dessa emoção a matéria deste livro”.
Mais do que os desassombros e devaneios do piloto-escritor (autor também de O Pequeno Príncipe), o que transformou o livro em objeto de desejo – vocês devem imaginar – foi a delicada ourivesaria das palavras que o tradutor Rubem Braga desenvolveu ao longo das 140 páginas desse poético relato. Que tem como essência a valorização da solidariedade, da amizade e do amor.
Semana passada consegui um exemplar, da editora Nova Fronteira. Não preciso dizer qual foi o enredo do meu pacato carnaval nesses dias chuvosos. Enredo que, hoje, reparto singelamente com vocês. Segue abaixo alguns trechos da obras:
II.
“Se às vezes julgamos que a máquina domina o homem é talvez porque ainda não temos perspectiva bastante para julgar os efeitos de transformações tão rápidas como essas que sofremos. Que são os cem anos da história da máquina em face aos duzentos mil anos de história do homem? Ainda nem acabamos de nos instalar nesta paisagem de minas e centrais elétricas. Ainda nem nos sentimos moradores desta casa nova que nem sequer acabamos de construir. Tudo mudou tão depressa em volta de nós: relações humanas, condições de trabalho, costumes… Até mesmo a nossa psicologia foi subvertida em suas bases mais íntimas. As noções de separação, ausência , distância, regresso, são realidades diferentes no seio de palavras que permaneceram as mesmas. Para aprender o mundo de hoje usamos uma linguagem que foi feita para o mundo de ontem. E a vida do passado parece corresponder melhor à nossa natureza apenas porque corresponde melhora nossa linguagem.”
III.
“Em um mundo em que a vida se une tanto à vida, em que as flores amam as flores no próprio leito dos ventos, em que o cisne conhece todos os cisnes, só os homens constroem a sua solidão.”
IV.
“De onde foram tirar os homens esse gosto de eternidade.”
V.
“Não é a distância que mede o afastamento. O muro de um jardim de nossa casa pode encerrar mais segredos do que as muralhas da China, e a alma de uma simples mocinha é melhor protegida pelo silêncio do que o oásis do Saara pela extensão das areias.”
VI.
“De onde vem a verdade do homem?”
VII.
“A passagem do tempo não é, em geral, sentida pelos homens. Eles vivem numa paz provisória.”
VIII.
“Em um mundo que se fez deserto, temos sede em encontrar companheiros: o gosto do pão dividido entre companheiros nos faz aceitar os valores da guerra.Mas, não temos necessidade da guerra para encontrar o calor dos ombros vizinhos para o mesmo fim. A guerra nos engana. O ódio não junta nada à exaltação da corrida.”
IX..
“Só o espírito, soprando sobre a argila, pode criar o Homem.”
X.
Saint-Exupéry desapareceu em combate no Mediterrâneo, em 1944. Os destroços do avião que pilotava nunca foram encontrados.