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Terra sem lei…

O repórter desceu atônito do helicóptero. Não foi o medo de voar que o deixara assim. Afinal, não era tão raro acompanhar o repórter-fotográfico pelos ares para fotos aéreas numa das pautas que desenvolviam, sempre que possível, sobre o meio-ambiente. Gostava do assunto: preservação da fauna, da flora, da vida. Gostava mais de fugir da rotina das redações e, principalmente, de fugir das tristezas e tragédias que, queiram ou não, os jornais obrigatoriamente precisam noticiar cotidianamente. Naquele dia ensolarado, um presente dos céus, voaria pelos arredores de São Bernardo para uma reportagem especial sobre a Mata Atlântica.

"Seria mamão com açúcar", como gostava de dizer o fotógrafo que o acompanharia na aventura. Hora e meia depois de sobrevoo tranquilo, o amigo era só entusiasmo com os belos registros aéreos que conseguira fazer da devastação que toda área vem vivendo nas últimas décadas.

O repórter voltou para a Redação em silêncio. O rosto crispado, os olhos revelavam preocupação – e medo. Isto mesmo, medo do que acabara de ver.

"E o que você viu lá de cima", perguntou o parceiro, ávido por arranjar um cúmplice para sua alegria.

"O que vi?" – respondeu, sem alterar a expressão de desalento. "Vi alguns vietnãs de miseráveis que cercam nossas cidades, prontos a explodir".

Não houve qualquer outro comentário durante todo o restante do trajeto. Tempo em que o repórter pôde repassar anos remotos, quando costumava a freqüentar aquele lugar, às margens da represa Billings, com o pai e alguns amigos, para andar de barco, pescar, divertir-se com uma bola num canto qualquer que pudesse se transformar num glorioso estádio de futebol. Tinha a imagem daquele lugar como a de um paraíso árvores, riachos, animais, peixes, flores e a imensidão da represa – tudo, ali, convivendo harmoniosamente.

E o que vira agora lá de cima? A região havia se transformado num monstruoso aglomerado de submoradias, onde sequer as áreas de mananciais foram respeitadas pelo contingente dos desvalidos. Entendeu o porquê de tanta violência e a degradação do tecido social. Entendeu mais: o amado e pacífico País – a começar pelos grandes centros urbanos, mas não só eles – estava mesmo a enfrentar uma guerra civil absurda, sem qualquer ideologia, em que o ‘inimigo’ não tem rosto e pode nos atacar em qualquer esquina. Por um trocado, um celular, um par de tênis. Pior: somos vítimas e algozes, ao mesmo tempo.

*Trecho de reportagem que escrevi em maio de 2002 sobre a questão da violência urbana na Grande São Paulo. Dez anos depois, o País vive novas perspectivas de desenvolvimento econômico, com a inclusão de milhões de brasileiros no rota do consumo e do desenvolvimento econômico. Só que nenhuma dessas projeções consegue conter o avanço da criminalidade e do que os especialistas chamam de justiça social. Mata-se por um trocado, por um celular, por um par de tênis.Mata-se por matar ou apenas para mostrar que a maior cidade da América Latina é terra sem lei…

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