Nunca mais tivemos notícias do Tio Orlando.
Ele era irmão do pai e alfaiate como o vô Rodolfo, que não conheci, mas herdei o nome e o sangue calabrês.
O tio gostava de tomar umas e outras, outras e umas.
Tinha um casamento desfeito, o que àquela época era um esconjuro.
Os anos 50 tinham todo um charme, mas não eram fáceis, não.
Os telefones eram pretos e as geladeiras, brancas.
Não havia nuances, desculpas ou teretetês.
Não andava na linha, o povo falava mesmo.
Cansei de ouvir que o tio não batia bem “da cachola”.
Até tentava defendê-lo.
Mas, à noite, quando se desfaziam as rodas de conversa e o pessoal recolhia as cadeiras da rua para o merecido descanso, o silêncio era rompido por uma voz chorosa e esganiçada:
“Lua manda a tua luz prateada
Despertar a minha amada
Não me escuta, está dormindo
Canto e por fim
Nem a lua tem pena de mim”
Era o tio, breaco e solitário, a ir-e-vir pela rua em busca do último balcão aberto, onde pudesse apoiar os cotovelos e afogar as mágoas.
Na manhã seguinte, o comentário da vizinhança era geral. A mãe ficava irritada. Na quitanda, na padaria, no armazém do seo Milton. Fosse onde fosse, o assunto era o irmão do Aldo.
Como irmão mais velho, o pai teria que tomar uma providência. Que, aliás, nunca tomou. Recolheu o tio em casa (para desespero da mãe) num tempo em ele andou adoentado. Foi quando eu soube que tinha primo; também se chamava Orlando, como o pai. Devia regular em idade comigo, mas o tio não podia vê-lo. Não ficava bem, a mulher havia casado com outro, “um doutorzinho qualquer, que não punha uma gota de álcool na boca e só ouvia música clássica”.
Quando o tio melhorou de saúde (ou disse que melhorou), saiu de casa certa manhã para procurar emprego. Tinha a expressão dos que são só e tristes a lhe marcar o rosto, assoviava uma canção que não soube identificar, triste como ele.
Era uma manhã chuvosa como a de hoje.
Nunca mais tivemos notícias do Tio Orlando.
FOTO no Blog: Jô Rabelo