Toledão era um apaixonado por circo. Na distante Orozimbo, cidade onde morava no interiorzão deste Brasil, não havia divertimento maior. O pequeno vilarejo se assanhava todo quando se anunciava a chegada de algum Gran Circo qualquer por ali.
O homem ia a todas as sessões. Logo ficava amigo de todos os circenses, do engolidor de espada à mulher barbada. Por quem, aliás, houve suspeitas de que Toledão se apaixonara tempos atrás.
Suspeitas que nunca se confirmaram, diga-se.
Outra paixão de Toledão era sua fama de valente beque central do Olímpicos Oronzimbiano Futebol Clube, equipe que jogava aos domingos pela manhã no Estádio Municipal.
Aliás, foi numa dessas contendas, que Toledão vacilou e foi para a dividida com a perna mole. Resultado: ouviu-se o estalo da perna quebrada num raio de quilômetros de distãncia.
Toledão foi prontamente socorrido no Hospital Central. O doutor constatou a fratura e tomou as providências devidas. Recomendou ao enfermeiro Cirino que caprichasse no gesso. Desse um acabamento de primeira para que o amigo de todos, Toledão, tivesse uma boa recuperação.
A recomendação era desnecessária. Cirino tinha um bom estoque de gesso – e raros casos de uso. Portanto, naquele domingo, fez um trabalho de primeira no engessamento. Deu três demãos de gesso na perna do pobre Toledão.
Justo naquela semana Orozimbo recebe a visita do Circo o Reis do Riso que, na verdade, estava numa pindaíba de fazer chorar. Além dos palhaços proprietários, os irmãos Tristinho e Tristonho, a grande atração era Leôncio, um velho leão que não via um bom naco de carne há um bom tempo.
Diziam até que Leôncio virara vegetariana por força das circunstâncias.
Ao saber da notícia,Toledão ficou ensandecido dentro do gesso. Queria por que queria ir a todas as sessões, como sempre fizera. Os amigos tentaram demovê-lo da idéia. Mal podia ficar de pé com tanto gesso. Não havia cadeira de rodas na cidade. Muletas não agüentariam o peso do corpanzil.
Nenhum argumento, porém, o convenceu.
Na noite de quinta-feira, carregado pelos braços de meia dúzia de amigos, lá estava Toledão na sessão de estréia, sentado na primeira fila. Dali só sairia no fim do espetáculo quando os amigos – que não suportavam circo – voltariam para buscá-lo.
Sairia se não houvesse um pequeno incidente…
Leôncio, o leão faminto, escapara ao controle do domador, derrubaram a grade de proteção e, agora, estava á solta no meio do picadeiro.
Todos correram assustados para escapar da fúria do animal que não parava de rugir.
Todos, menos Toledão; óbvio…
Alguém lembrou à turba que o amigo não podia se mexer e, a essa altura, poderia servir de petisco para por fim ao regime vegetariano do rei dos animais.
Aliás, quem foi rei nunca perde a majestade, não é assim?
Voltaram. Mas, não se arriscaram a ir além da última fila de cadeiras. De lá e a salvo, todos puseram-se a lamuriar-se:
— Coitado do Toledão! Coitado do Toledão!
E o leão a andar pra lá e pra cá.
Toledão, ali, impassível. Engessado até a alma.
E o pessoal a gritar:
— Coitado do Toledão! Coitado do Toledão!
Toledão não resistiu e como pôde berrou para a turma.
— Qual é, rapaziada. Se quiserem me ajudar, tudo bem, me ajudem. Se não, deixem que o leão decida sozinho…
Toda vez que leio/ouço sobre a tal crise econômica lembro-me da historia que o amigo Marceleza contou em sala de aula para espanto e diversão dos alunos. À época, ele explicava como funciona o fenômeno da globalização. Agora, creio, a situação se repete com as incessantes notícias sobre a débâcle financeira que, marola ou ciclone, mais cedo ou mais tarde vai pegar a todos.
Solução, solução ninguém tem. Mas, adoram pré anunciar o apocalipse…