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Últimos dos moicanos

Eu e o Escova somos o que restou – e o termo é bem este – da velha guarda de jornalistas que trabalharam naquela redação de piso assoalhado e grandes janelões para a rua Bom Pastor.

Ainda hoje quando nos encontramos – e é cada vez mais raro isso – nos chamamos de últimos dos moicanos.

Explica-se.

Muitos já se foram dessa para melhor. Outros caíram no mundo, e andam pela aí sem dar notícias. De certa forma incerta, o tempo fastou esses daqueles; aqueles, desses.

Mesmo assim – e por muitos anos – eu e o Escova teimávamos em repetir o ritual da turma naqueles idos tempos. Todas as manhãs de sábado nos encontrávamos nas quebradas do antigo Ponto Fábrica, no distrito do Sacomã e ali bebíamos – mais o Escova do que eu, sou sincero – e conversávamos sobre os amigos, o jornalismo, a vida.

Tentávamos ludibriar a saudade – e, de alguma forma, redimensionar a frase que ouvi do grande Paulinho da Viola e encerra o belíssimo documentário sobre a trajetória artística do cantor/compositor:

Meu tempo é hoje.
Eu não vivo do passado.
O passado vive em mim.

Mas, houve um sábado que, assim que nos encontramos, deu para perceber que estávamos injuriados. Não sabíamos o motivo da bronca que carregávamos no peito – e foi exatamente este o ponto inicial da nossa conversa. Esquecemos o futebol, as fofocas da semana, as questões da política, as lembranças e ambos dividimos numa lanchonete recém-inaugurada uma Coca Zero, o que, para mim, era normal; mas para o Escova era um duplo pecado mortal: trocar o boteco por uma casa de fast-food e, de quebra, beber refrigerante.

Percebi que estávamos mal mesmo.

Não lembro bem. Mas, foi agosto ou setembro de 2013. O Brasil estava nos rastro daquelas manifestações ensandecidas.

– Estamos, outra vez, sem rumo e sem prumo. A coisa toda vai degringolar. É questão de tempo. E não há nada que eu ou você podemos fazer, meu caro.

Foi a enigmática frase do Escova antes de nos despedirmos.

Achei que o amigo estava no delírio, dada a voluntária abstinência.

No entanto, hoje, tanto anos depois, ao voltar para casa após votar para vereador e prefeito, entendi tudinho o que o amigo Escova preconizou naquela distante manhã de sábado.

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