– Desconfio que fiz tudo errado na vida.
Estávamos ali na improvisada copa, ao fundo do corredor da empresa, para um café restaurador e uns minutinhos de descuido. Quando o Diogo interrompe o silêncio com a espontaneidade do desabafo.
Manhã preguicenta de sexta-feira, proximidade do fim de semana; antes, porém, o arrastar do expediente com as tarefas.
“O que deu no homem” – pensei, mas me fiz de rogado. Ele que se explicasse, se assim bem entendesse.
– Vontade de cair no mundo, continuou.
Eu sorri como a lhe dizer: ‘os tempos são outros, camarada’.
(Tão outros que nem se ouve mais a palavra ‘camarada’).
Acho que me entendeu – ou ficou perto disso, pois foi logo se explicando:
– A vida não se resume à fila no guichê do banco para saldar nossas dividas diária.
Achei a imagem boa, algo anos 70, mas exemplar, creio, para que o caro colega de repartição estava sentindo.
– Sem aventura, a gente não vive, vegeta.
O homem estava mesmo entediado, mas o que podia eu fazer. Não lhe era tão próximo assim. Entendi que estava entediado, mas o máximo o que consegui foi um “deixa disso, rapaz”.
Foi o suficiente para ele lembrar o tempo (ano e meio) que morou em Arraial D’Ajuda, na Bahia, perto de Porto Seguro. Morava perto da igrejinha, vivia de bicos como guia de turistas, não lhe faltavam alguns trocados para tocar a vida ‘de boa’ e se divertir com as canções que vinham dos bares e becos.
– Cara, eu era dono do meu tempo, senhor das minhas vontades, livre. Sabe como é?
Pronto.
Sobrou pra mim.
Um meneio de cabeça foi a minha resposta. Nem sim, nem não.
Achei de bom tom lhe oferecer outra xícara de café.
Mas, ele rejeitou. Talvez o Diogo se imaginasse numa mesa qualquer de boteco, no happy hour. Logo engatou outra dos idos em que se julgava feliz.
– Houve um tempo em que trabalhei como balconista em uma loja de disco, só para ouvir música o dia todo e conversar com as pessoas. Sabia que as pessoas mudam de astral quando entram numa loja para comprar um CD, um DVD?
Não fazia e não faço a menor ideia.
Nunca havia pensado nisso.
“Deve ser legal mesmo” – disse quase sem pensar no que dizia. Antes que o
Diogo desfiasse o tempo que fez ‘mochilão’ na Europa, tomei coragem e perguntei:
“Cara, corre atrás. Só se vive uma vez. Por que você não larga tudo e se propõe outra aventura? Dizem que Puerto Escondido, no México, é uma cidade lindíssima, com um pessoal descolado, mar, sol…”
Diogo arregalou os olhos. Fez cara de sonhador, e sacramentou:
— Valeu, cara, valeu! Que ideia! Assim que acabar de pagar o meu BMW vou pensar na possibilidade. Agora vamos voltar para o trampo. Valeu mesmo!