Tinha poucas certezas na vida.
Uma delas, talvez a única, era acreditar que todos temos um destino – que manda e desmanda, faz e acontece, abre e fecha, impõe encontro e desencontros.
Dizia, com jeito sereno:
— Há quem chame isso tudo de sorte. Outros, de azar.
Mas, gostava de lembrar:
— A maioria nem se dá conta da vida que leva.
No fundo, no fundo, segundo sua intrincada tese, foi o destino que sempre nos levou para onde bem entendesse.
Os que se dizem racionais, acrescentava ele, preferem acreditar que o destino não existe por si só:
— Assim, se fizerem tudo nos conformes estarão livres das trapaças da sorte, das armadilhas do acaso, do fogo do inferno.
O pai era um cara simples.
Não sei de ontem veio toda essa filosofia.
Não estudou além do primário – e sempre tocou a vida do jeito que pôde e deu. Trabalhou como uma espécie de crupiê na Casa Lopes e, depois que Getúlio Vargas proibiu a jogatina no País, foi ser operário em uma fábrica de pano ( hoje, mais conhecida como indústria têxtil) no Cambuci.
Aposentou-se perto dos 60 porque a fábrica entrou em concordata e os médicos do INSS diagnosticaram uma precoce angina no coração.
Os amigos do Bar Astória tentaram lhe consolar quando souberam do parecer médico:
— Caspita, Aldo, sempre soubemos quer você tinha um grande coração. Não precisava exagerar, belo!
Tome uma taça de um bom vinho que isso passa.
Não passou. Mas, o Aldão, como eu o chamava, embora tivesse apenas 1.68 de altura, viveu até os 82 anos. Também não era lá um grande beberão. Sabia, sim, e como raros, viver sempre rodeado de amigos.
Já por volta dos 80, mesmo morando em outra cidade, era figurinha fácil de encontrar na padaria, em frente à banca de jornal, na porta da barbearia ou defendendo o Lula entre os motoristas do ponto de táxi em frente ao apartamento em que morava.
Ainda hoje, mais de dez anos depois que o pai se foi, ainda encontro pessoas que dizem sentir a falta que o Velho faz por ali. Lembram a centena em que apostava diariamente no jogo do bicho (alguns ainda seguem os tais números que nunca decorei), o carinho e a atenção que dedicava às crianças (que o chamavam de Vô Aldo) e a habitual simpatia para com as mulheres (que deixava minha mãe fula da vida).
— Seu pai soube viver. Lá do jeito dele foi um cara de sorte…
É o que dizem – não sei se um dia ouviram dele a tal teoria, mas eu concordo plenamente.
Querem saber?
Também me considero um sortudo por tê-lo como pai.
(É uma das raras certezas que tenho na vida!)
** Pré-lançamento do livro
MEUS CAROS AMIGOS –
Crônicas sobre jornalistas,
boêmios e paixões (foto)
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