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Um sobradinho na Vila

Alice não mora mais aqui, moço.

Ela se mudou não sei quanto tempo faz, três ou quatro semanas. Um mês, talvez.

Eu a achava uma moça adorável, mesmo que a conhecesse apenas de cumprimentá-la.

Trabalhadora, simples. Voltava todos os dias do trabalho ao entardecer.

Sou um velho aposentado, sem vontade de jogar dominó, xadrez, esses jogos de mesa, sabe? Então me ponho aqui, na entrada da Vila, a olhar o movimento da rua, dos carros, o entra e sai dos moradores dos moradores.

Gosto de papear com amigos e conhecidos, coisa de desocupado, entende?

II.

Então…

Era comum vê-la quase todos os dias. Às vezes, eu até me prontificava em carregar as compras do supermercado que trazia em pacotes volumosos.

Nunca entendi como uma moça tão bonita quanto ela podia viver tão sozinha? Nem bicho em casa ela tinha.

A vida tem mesmo seus mistérios, não acha?

III.

Soube que se chamava Alice no dia em que se mudou para cá. Chamou a atenção, quando os homens que faziam a mudança desembarcaram aquele piano de madeira escura e o levaram para dentro do sobradinho minúsculo como esses que a gente mora na Vila.

Todos pensaram que o morador era um senhor austero, descabelado e cheio de manias, como se imagina serem os maestros e solitários. Mas, de repente, surgiu aquela jovem, de roupas discretas e cabelos presos em coque, que se apresentou e disse que gostava de exercitar-se ao piano toda noite. Se caso a música nos incomodasse, era para avisá-la porque não queria perturbar o sossego da vizinhança.

Era muito delicada com todos. Educada mesmo.

IV.

Alguém, aqui da Vila, me disse que ela era professora de música. Que tocava em uma orquestra e dava aulas em um conservatório.

Nunca chequei a informação, mas deve ser verdade mesmo. O que sempre me causou estranheza foi a solidão em que vivia. Será que não tinha família? Um namorado? Um admirador que fosse?

Enfim…

Como entender o que se passa n’alma de cada um de nós? Somos donos e senhores dos nossos “ais”.

V.

Gostava de vê-la chegar. De ouvir mesmo à distância a música suave do piano que tocava. Velho tem dessas manias, sabe?

Um dia ensolarado, logo pela manhã, quando saí ao portão, vi que havia um caminhão de mudança parado em frente da casa da moça. Procurei por ela, mas não a vi.

Ao cabo de algumas horas, o sobradinho estava vago, como continua até hoje.

Desconfio que os donos pensam em reformá-lo.

Sabe-se lá quem vai morar aqui?

VI.

Assim como chegou, Alice se foi.

Tomara que esteja feliz, ela sempre me pareceu uma moça triste. Como se não
ousasse mais sonhar. É ruim quando se deixa de sonhar, especialmente quando se é jovem e tem a vida pela frente.

Mas, o senhor queria o quê com ela?

– Eu? Eu nem sei quem é essa tal de Alice. Só queria saber do aluguel do sobrado.

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