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Conversa ao cair da tarde…

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Foto: Arquivo Pessoal

Fim de tarde de domingo. Uma conversa pelo zap, como só e acontecer nesses tempos ainda (e parece que sempre) pandêmicos.

Velhas histórias, boas lembranças.

Tecla daqui, responde dali e versa e vice e vice e versa, a Maridalva, jornalista do Pirituba News, me pergunta pelo paradeiro de outro jornalista, o Hirão Tessari, chefe-mor da Gazeta da Vila Prudente nos áureos tempos dos jornais de bairro em São Paulo.

Ela diz lembrar de um seminário sobre imprensa regional que participamos os três – eu, ela e o Hirão – no Senac da Lapa nos idos de 70 e 80, época áurea dos jornais de bairro como organizadores e propulsores da vida comunitária em Sampa.

“Mundo pequeno, estivemos juntos nesse dia!”

Cita inclusive um artigo que escrevi sobre o assunto e foi publicado em livro pela Secretaria Municipal de Cultura, em 1985.

Chamava-se Imprensa de Bairro Como Opção Profissional.

Desconfio que seja esse… (CLIQUE AQUI PARA LER)

Fico lisonjeado com lembrança, mas percebo que o que ela quer mesmo (e insiste) é saber do Hirão.

“Você tem notícias dele?”

Respondo, com o cuidado que a situação requer:

Soube que faleceu faz algum tempo. Alguém que me deu a triste notícia, mas falou assim sem grande convicção do que dizia. Foi há uns cinco, seis anos ou mais. Talvez mais. A informação que tinha até então era de que ele se desfez do jornal e se mudou para Brasília como assessor parlamentar do então deputado federal Zé Índio, figura popular na Vila Prudente. Conheci mais as histórias do Hirão do que o Hirão propriamente dito. Trabalhei por quase 30 anos na Gazeta do Ipiranga, participei de algumas mesas sobre o tema jornais de bairros. Era minha vida, até então. Depois migrei para a universidade – e meu foco mudou.

“Obrigada”, diz Maridalva e lembra, com carinho, do nosso polêmico, mas admirável (quase) amigo comum.

Desconfio que foi mais próxima do que eu.

Faz um relato divertido da convivência de ambos:

“Fechávamos os nossos jornais na mesma gráfica. No tempo em que se fazia emendas na faquinha, lembra? Por vezes, era comum passarmos a noite inteira na empreitada. Eu brincava muito com ele. Ele tinha por hábito tirar os sapatos e ficar só de meias para secretariar a edição em meio às mesas de past-up e  da revisão. Era uma correria só. Certa noite, terminei meu jornal antes  do que ele e escondi um do par de seus sapatos. Foi muito engraçado! Gostava desses momentos. Ele sempre foi muito inteligente. Chegava a ser arrogante. Mas, um ser humano incrível!!!”

O ‘fechamento’ de uma edição na gráfica era mesmo uma longa jornada noite adentro.

Muita correria, muita confusão. Por mais organizados que tentávamos ser, nunca tínhamos o controle total do que ia acontecer. Grau de imprevisibilidade altíssimo – e de cansaço também. Havia um momento, porém, quando estávamos no limite, que apelávamos para o humor, a zoeira, as brincadeiras para amenizar o desespero e a tensão.

Era (mais ou menos) natural. Quase um rito.

Imagino a cena. Hilária!

Hirão era mesmo uma figuraça.

Assino, dou fé – e lhes dou um por_exemplo:

Eu o vi, várias vezes, propor sociedade para a Dona Araci, proprietária do jornal em que eu trabalhava. Gazeta do Ipiranga era uma potência. Tinha entre 36 e 40 páginas e chegou a bater 50 mil exemplares semanais em seus melhores momentos.

O jornal do Hirão tinha entre 16 e 20 páginas e tiragem semanal nos arredores dos 15 mil exemplares.

– Metade metade, topa? – dizia o Hirão, sério e sem qualquer vacilo.

Bons e idos tempos, diz Maridalva.

Eu concordo, e confesso:

Vez ou outra, sonho que ainda estou preso na muvuca daqueles fechamentos sem-fim, madrugada adentro.E o sonho me parece tão real que acordo cansado. Mas, estranhamente feliz.

Minha amiga e leitora partilha da mesma nostalgia, mas faz o alerta:

“Nossa! Muito bom! Penso, porém, que falta pouco para a extinção do jornal regional. Mais um pouquinho e o impresso no geral também vai desaparecer. A tecnologia tomou conta. É pena gosto do jornal, da revista em material físico. Não me sinto confortável ao ler no computador, no celular… De qualquer forma, penso que nossa geração viveu o melhor em todos os sentidos.”

Concordo com o que ela diz.

Também – e imodestamente – creio que vivemos o melhor em todos os sentidos.

Há coisa de 25 anos, nas aulas do mestrado, o professor Wilson Bueno fez um prognóstico de 15 ou 20 anos para a sobrevida das publicações impressas.

Estamos no lucro, pois, Maridalva.

Desconfio que só eu ainda insisto em transformar em livro impresso tudo o que escrevo.

Quanto à imprensa setorial ou regional ou comunitária – acrescento em nossa conversa -, as redes sociais derrubaram todos os nossos alicerces. Não sobrou pedra sobre pedra. Por outro lado, há que se reconhecer: o conceito de comunidade hoje extrapola o que se entendia como limites de um bairro ou uma região. Hoje, vale a causa, a ideia, o conceito de quem somos e quem são os nossos iguais.

Termino feliz nossa conversa.

Ela me incentiva a continuar na cruzada do livro impresso:

“Pois, faça mesmo! Certamente será muito útil. Quanto às mídias sociais, olhe no que se transformou o mundo…”

Verdade verdadeira.

Quando todos querem falar, não sobra ninguém para ouvir e… refletir e pensar e olhar ao redor para cultivar o diálogo, o entendimento e a empatia social.

 

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