"A honra consite em tornar belo aquilo que se é obrigado a fazer" (Alfred de Vigny)
01. Quando os portões de aço da Ford do Brasil forem fechados, nesta sexta, e o último trabalhador deixar as decanas dependências da fábrica, a recente História do País estará encerrando mais um capítulo: o que conta o desenvolvimento da indústria automobilística brasileira. Que, aliás, teve como cenário pioneiro o bairro do Ipiranga.
02. Os mais jovens, olhos atentos nos sites da internet, sequer imaginam. E como poderiam entender um grande complexo industrial incrustrado dentro da paisagem de hoje com ruas apinhadas de veículos, casas, prédios, hipermercados; enfim uma movimentação intensa? Mas, é verdade. Volkswagen, General Motors e Ford nasceram aqui no bairro, ali na área ribeirinha ao Tamanduateí, entre a rua Manifesto e a avenida do Estado.
03. O bairro já possuía essa estrutura urbana na área central, entre a avenida Nazaré e a própria Manifesto. Nem todas as ruas, porém, eram calçadas e lá pelos lados onde hoje funciona o Clube Atlético Ypiranga projetavam-se as primeiras indústrias da região, a dos Ingleses, a Linhas Correntes, a dos Jafet e também os galpões da Volks e da GM — onde os primeiros carros eram montados, pois as peças chegavam em grandes caixas no Porto de Santos. Do outro lado do rio, àquela época considerava-se o local pertencente à freguesia do Ipiranga, estabeleceu-se a Ford do Brasil em 1945, desde então em contínuo funcionamento. Nos anos 60, a Vemag se instalou na Vila Carioca para fazer os potentosos DKV e Vemaget.
04. Mãos hábeis dos imigrantes e descendentes eram as principais responsáveis pela montagem dos primeiros calhambeques que fascinavam a todos pela modernidade. A cidade, registre-se, ainda era a promissora São Paulo, de sóbrios hábitos, chamada de a Terra da Garoa, onde se podia ter uma vida tranqüila, com a certeza de trabalho e a esperança de um futuro melhor.
05. O Governo JK, aquele que fez o País crescer cinco décadas em cinco anos, deu amplo incentivo às indústrias automobilísticas. Elas cresceram desmedidamente — assim como o bairro também se desenvolveu. A convivência ficou difícil e, uma a uma, foram deixando o bairro de origem e se instalando em São Bernardo, para aonde, aliás, levaram significativa parcela do setor de auto-peças. Lá, também, fizeram história… As greves dos metalúrgicos do ABC em 1978/79 foram passo decisivo para redemocratização do País.
06. Por aqui, apesar das muitas transformações, a Ford resistiu bravamente. Passou por diversas modificações e ultimamente seus 1.178 funcionários dedicavam-se a feitura dos caminhões da marca. Em dezembro do ano passado, após uma série de manifestações dos metalúrgicos que não queriam a mudança, o que era boato se transformou em realidade: as atividades realizadas no Ipiranga seriam transferidas para a fábrica de São Bernardo — e ponto final.
07. O destino da área não se sabe. Talvez coubesse perservá-la como um centro cultural que partisse exatamente deste pioneirismo, e pudesse dar às novas gerações a oportunidade única de entender um pouco melhor nossa História.