Foto: Reprodução/Acervo do Violão
…
São insondáveis os caminhos da poesia e da inspiração.
Quando o jovem e talentoso músico Bituca deu o ultimato ao amigo Fernando para que este, por fim, pusesse letra em um dos seus pungentes temas melódicos, Nando hesitou. Gostava de poesia, devorava e sabia de cor os poemas de Neruda, Lorca, Maiakovski, entre outros da mesma cepa, mas daí enveredar, ele próprio, por tais labirintos de palavras e sentimentos, ponderou: seria uma heresia.
Além do que tinha um nome a zelar na turma de jovens e ruidosos mineiros do Beco do Mota, amantes de cinema, música, literatura e artes.
O que diriam se a coisa toda não saísse de primeira?
…
Milton era a referência de todos. Músico único desde então. Diamante bruto talhado e lapidado nos bailes da vida e nas loucas madrugadas sem fim da provinciana Beagá.
Ele insistia na parceria – e havia tempo.
Um tanto desacorçoado – mais a título de curiosidade – Nando resolveu arriscar.
Imaginou-se um vendedor de sonhos. Um ser errante sem prumo e sem rumo.
Nesse vago contexto, derramou na página de um velho caderno a base de suas inquietações existenciais:
Quem quer comprar meus sonhos?
Respirou fundo ainda temeroso do que viria a seguir – e sem saber de onde jorravam as palavras e a súbita angústia, continuou seus rabiscos:
Quando você foi embora
Fez-se noite em meu viver
Forte eu sou mas não tem jeito
Hoje eu tenho que chorar
…
O que veio depois, todos sabemos.
Foi a estreia de Fernando Brant como poeta/letrista e a consagração de Milton Nascimento no Festival Internacional da Canção de 1967.
…
Bituca já virara definitivamente Milton Nascimento.
Vivia no eixo Rio/São Paulo a encantar a todos com sua voz e incrível musicalidade.
Morava aqui e ali.
Encantava a todos. Inclusive a nomes consagrados da MPB como Elis, Jair Rodrigues e Agostinho dos Santos, cantor de renome à época, que o tinha como seu protegido.
Bituca/Milton ainda era bastante tímido, reservado.
Foi Agostinho que inscreveu três canções de Milton no FIC-67.
O Vendedor de Sonhos, inclusive.
…
Ninguém sabe ao certo quem suprimiu aquele primeiro verso.
Foi nesse interim também que surgiu o nome Travessia – e assim se fez uma das mais belas canções de nossa música popular.
…
O que você acha?