Além de visitar igrejas, tem um lugar comum que, em viagens, posso dizer: é um dos meus passeios favoritos.
Adoro ver o pôr do sol.
Reparem que escrevi acima: trata-se de um lugar comum, algo assim bobinho, mas que me atrai e me regozija.
Tenho até um ranking de belos lugares que se fizera inesquecíveis em tais momentos:
– a ilha grega de Santorini (foto/arquivo pessoal);
– a Costa Malfitana, na Itália, diante do mar Tirreno;
– em Capri, também na Velha Bota;
– a Pedra Furada, em Jericoacoara, Ceará;
– a minha querida Serra da Bocaina, entre montanhas e rios, aqui mesmo no Vale do Paraíba, na divisa do Rio com São Paulo.
O poente no deserto, arredores de Dubai, onde estive recentemente, também se fez impressionante. No entanto, o que mais me cativou ali não foi o solzão se pondo entre dunas e turistas embasbacados e, sim, a poética chegada da noite de lampejos esverdeados no amplo céu azul-marinho.
(…)
Ontem o amigo Poeta, que projeta viajar para o Nordeste nas próximas férias, me perguntou sobre João Pessoa.
Bati o ponto por lá nas minhas horinhas distraídas de julho – e acho que andei proseando demais sobre os pouco divulgados encantos do lugar.
É uma pedida, disse. Que não sou de quebrar o barato de ninguém.
– Se você não for do agito e das badalações, é o lugar ideal.
– Dizem que tem um pôr do sol lindo, é verdade ?
– Sim.
– Tem um rapaz que corta o rio em um barco enquanto o sol se põe. É verdade que ele toca lindamente o “Bolero”, de Ravel?
– Sim.
– Você gostou?
(…)
Antes de responder ao amigo, preciso ser sincero com meus amados cinco ou seis leitores. Com ele próprio, e principalmente comigo.
Eis a verdade.
(…)
Fui ver o pôr do sol na Praia do Jacaré (que na verdade é a margem do rio Paraíba), como todos me recomendaram assim que cheguei a João Pessoa.
De tanto que falaram, deixei para ver o espetáculo para a última tarde de minha estadia por lá.
– É a cereja do bolo, me disseram. O ponto alto de uma visita que se preze à capital daquele estado.
(…)
A história é mesmo cativante.
Tudo começou com uma senhora ricaça de origem europeia (esqueci o país da distinta) que se estabeleceu em suntuosa mansão às margens do tal rio.
Viveu lá por anos e anos.
Todo o fim de tarde, ela apreciava a despedida dos raios solares da privilegiada varanda que a casa ostentava e, para dar trilha sonora ao fenômeno, tocava em alto e bom som sua música preferida: “Bolero”, de Ravel.
Os moradores do lugar habituaram-se a compartilhar esses lindos momentos com a fidalga e se aglomeravam ao longo do leito do rio para se despedir do sol de todo o dia.
Aos poucos, o espetáculo virou tradição do lugar.
(…)
Não sei bem como se deu o entreato da história.
Isso eu não descobri por lá.
Sei que há coisa de 10, 12 anos, um rapaz de nome Jurandy do Sax, bom tocador do dito-cujo, começou a entoar a música dia sim e outro também em todo o fim de tarde.
O que era feito no improviso começou a ganhar estrutura e renome para além das fronteiras do Nordeste.
Virou atração
Hoje, levas e levas de turistas dão as caras por ali para ver o pôr do sol e ouvir e ver o músico, já um senhorzinho, que consta no Livro dos Recordes como o cidadão que mais vezes interpretou Ravel ao longo da vida.
Mais de 3 mil apresentações.
É interessante.
(…)
Narrei esses fatos ao Poeta na vã tentativa de evitar a pergunta que se fez inevitável.
– Tá legal. Gostei da prosa. Mas, e aí, o pôr do sol? É lindo mesmo, de arrepiar, de não esquecer?
Balancei a cabeça afirmativamente. Pois não tive coragem de frustrar o amigo Poeta com a realidade dos fatos – e aqui lhe peço desculpas.
Perdi a viagem.
Choveu pra caramba naquele fatídico fim de tarde…
O que você acha?