Ele completaria hoje 106 anos.
Tinha um nome solene Carlos Humberto Vitório Avezzani.
Dizia que não era um nome, mas sim um título de nobreza.
Quando nasceu, o pai dele, de origem napolitana, decidiu reverenciar os dois reis da Itália.
Carlos Humberto (que deixara o trono) e Vitório Emanuel, o sucessor.
O vô, no entanto, preferia que o chamassem de Carlito, apelido que ganhara aos oito anos, quando começou a trabalhar numa construção.
— Ficava pra cima e pra baixo, fazendo serviços gerais. Carregando tábuas, e ajudando no que podia e, muitas vezes, no que não podia.
Ele era chapeleiro de mão cheia, todos diziam.
Seu último emprego foi na Fábrica de Chapéus Ramenzzoni, ali entre a rua Lavapés e a rua Scuvero, no Reino Unido do Cambuci.
Por causa de uma hérnia maltratada, o vô tinha dificuldades de locomoção. Andava pouco e devagar. Depois de aposentado, passava o dia à janela vendo o movimento dos bondes e o alegre desfilar das tecelãs que cortavam a Lavapés em diversos horários.
O chapéu na cabeça e o copo de vinho no parapeito eram companhias indispensáveis.
Gostava de vê-lo cantarolar “Luar do Sertão”. A música parecia mexer com algum sentimento dentro dele. Parecia estar em outra dimensão.
Ainda hoje é uma das minhas canções preferidas.
Quando a ouço, é inevitável lembrar o vô Carlito.
Também são inevitáveis a tristeza e a dor das coisas que se perderam.
…
O que você acha?