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Zé Mango

Vou lhes contar uma historinha triste, mas que tem lá certo mistério insondável.

Lembrei-me dela nesta manhã porque é o meu primeiro dia de férias (merecidas, diga-se) e estava a remexer alguns guardados e acabei por encontrar um exemplar do livro Pequeno Príncipe, de Saint Exupéry, que pertenceu ao meu cunhado José Mango.

II.

Inevitável voltar naqueles idos dos anos 60.

Chamavam-me de Beto Rockfeller, alusão ao simpático vigarista que deu nome à novela de Bráulio Pedroso, impecavelmente interpretado por Luiz Gustavo.

Àquela época, diziam até que fisicamente éramos parecidos.

III.
Não sei se devem acreditar.

No fundo, tias, vizinhas e conchetas queriam mesmo era provocar a Dona Yolanda, minha mãe.

“Onde já se viu? Um rapagão desses que não trabalha. Vive no bem bom.”

IV.

Alguns esclarecimentos se fazem necessário:

01. Não era tão rapagão assim. Tinha 16 para 17 anos.

02. O ‘bem bom’ também não era tão ‘bem bom’ assim. Tínhamos uma vida remediada morando em um bairro remediado, o Ipiranga.

03. Estudava à noite, depois de uma vã tentativa de cursar o Científico pela manhã e o curso Normal à noite. Depois de algumas semanas, fiquei com apenas com a segunda opção – e as pessoas entenderam que a escolha se deu pelo fato de que eu arrumaria um emprego durante o dia.

V.

Para escapar de tanta pressão, a mãe fazia coro aos descontentes:

— Ele (eu) já é um marmanjo. Precisa trabalhar para ajudar nas contas da casa.

Só o pai me defendia:

— Deixa o menino estudar, é o futuro dele que está valendo.

VI.

Até o meu cunhado Zé Mango, sujeito boa praça, fazia troça da situação:

— Quando o bonitão aí arranjar um emprego me avisem devagar que é capaz de eu ter um troço.

VII.

Certa tarde, embaralhado por tantas cobranças, cometi o deslize de acudir o pai que já não tinha argumentos convincentes para me defender.

— Só trabalho se for em uma loja de discos. Assim posso ouvir música o dia todo.

VIII.

Ô boca santa…

Como eu poderia saber que o pai tinha um velho amigo, chamado Luizinho, dono de uma loja de discos no centrão de São Paulo e, pior, estava preste a abrir uma filial?

IX.

Pois então…

Na manhã do dia seguinte, lá estava eu às voltas com compactos do Roberto Carlos (“Eu te amo, te amo, amo”), Paulo Sérgio (“Última Canção”), Martinha, Nalva Aguiar, Deni & Dino e outros “só sucessos”.

X.

Vocês podem não acreditar – mas, quando comecei na lida, o Zé Mango baixou em um hospital de Campinas, com uma doença misteriosa e aguda.

Não tivemos sequer tempo para lhe contar a novidade.

Morreu dias depois.

Trágica coincidência.

XI.
Saudade do cunhadão Mango que tocava violão, era fotógrafo, colecionava canetas, criava peixes ornamentais. Falava não sei quantos idiomas, e me deu o livro do Pequeno Príncipe de presente.

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