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Título: A dançarina
Autor: Rodolfo C. Martino - publicado em 06/11/2008
 

Não era exatamente uma mulher bonita.

Mas, tinha porte...

... e uma filha pequena.

Morava numa casa de cômodos perto da minha, no Cambuci.

Era o que à época, anos 50, se chamava de “mulher de 30” ou balzaquiana.

[A depender do gosto do freguês. Se ouvia o samba do cantor Miltinho ou se lera o clássico de Balzac.]

Ela saía todas as noites. Vestia-se de forma extravagante, mas sem causar escândalos. Seus cabelos eram longos e tingidos de preto.

Sempre que a víamos, ficávamos ouriçados.

Entendam: éramos garotos; onze, doze anos.

Queríamos desvendar o mistério.

Para todos os efeitos, era dançarina de um dancing no Centro de São Paulo.

Mas, ouvíamos coisas sobre ela.

Coisas que nos faziam sonhar...

Lembro do silêncio retumbante que cercavam seus passos, lânguidos, altivos, quando por nós passava. Respirávamos aquele perfume forte. Por algum tempo, permanecia o cheiro do pecado.

Pecado, sim.

As mulheres da rua eram cruéis. Não lhe tinham amizade. Sequer gostavam que os filhos brincassem com “aquela lá”. Ou seja, a filha da dançarina.

Não entendíamos a objeção.

A garotinha tinha três ou quatro anos e era educadinha, simpática. Qual o problema de brincar com nossos irmãos menores?

Para os garotos da rua, porém, ver a dançarina passar era momento único. De encantamento e certas inquietações.

Quem seria o amante?

Seria mais do que um?

Sentíamos, confesso, um indizível ciúmes do que a nossa musa iria viver noite afora.

Preferíamos nos iludir.

E se ela fosse apenas uma dançarina a quem os homens pagavam para dar algumas voltas no salão e imaginarem-se amados e belos à la Fred Astaire?

Mas, acreditem, a dúvida maior não era nossa. Espalhava-se rua afora e atormentava as respeitáveis senhoras do lugar, especialmente todo fim de tarde quando as donas de casa saíam ao portão para esperar os respectivos maridos voltarem do trabalho. Enquanto a criançada brincava, elas ‘cortavam’ a vida alheia. Assim que a menininha aparecia com a mãe, a tal pergunta pairava solta no ar. Ameaçadora, e dolorida:

Quem seria o pai de garotinha?

As senhoras agonizavam de curiosidade. Mas, preferiam contornar o assunto.

Ninguém ousava por a mão no fogo pelo próprio marido.

Nesse ponto, elas se pareciam com a gente no quesito "de ilusão também se vive".

 
 
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