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Título: Tchinim e o cineminha
Autor: Rodolfo C. Martino - publicado em 15/09/2011
 

Tchinim não conseguia dormir.

Estava impressionado.

Acabara de voltar da sessão de cinema que acontecia todas as noites de quinta-feira na humilde e honrada sede social do Santos Futebol Clube do Cambuci.

Viera a passos rápidos – nem esperou os amigos – cortando os três quarteirões que separavam o clube da casa onde morava, na rua Muniz de Souza.

A difusa iluminação pública – típica dos anos 50 – ressaltava o clima noir e o medo do garoto.

Assim que chegou, a mãe sequer notou o quanto o menino estava esbaforido.

-- Gostou do filme?

Ela perguntou sem se interessar pela resposta que não veio.

Estendeu-lhe a caneca de leite quente que Tchinim tomou de uma só golada.

Mas, nem assim ele sentiu aquietarem-se os arrepios.

A monstruosa – mas interessante – figura não lhe saía da mente.

Era bela, e arrebatadora.

Sentiu-se ao desamparo.

Imaginou os passos capazes de estremecer a cidade, o espanto no rosto das pessoas, os carros em desalinho, a correria de todos para escapar à sanha assassina da criatura.

Tentou pensar em outras coisas.

A aula da manhã do dia seguinte no Grupo Escolar Oscar Thompson – se é que o velho prédio do Largo do Cambuci resistiria aos ataques de fúria e destruição?

A meiguice da menina Ligia indo para aula de piano, de mãos dadas com o pai, renomado dentista das imediações – poxa, ela não deu as caras hoje no cineminha. Será que aconteceu que a criatura a seqüestrou?

O futebol de domingo no Parque da Aclimação lhe pareceu um acontecimento tão distante, tão longínquo. Será que a humanidade resistiria tanto tempo?

Bem que as irmãs lhe avisaram.

-- Você é criança para assistir a um filme desses...

As duas conheciam bem o poltrão que era o caçula da família.

Vestiu o pijama e deitou-se, deixando a luz acesa.

Preparou-se para o pior.

A Mulher de 15 Metros (nome do filme que acabara de assistir) poderia atacar a qualquer momento.

(...)

Acordou na manhã seguinte com a voz do pai lhe dando um pito daqueles.

-- Você é sócio da Light, é? Vou descontar da sua mesada o que vier a mais na conta da luz...

Ficou tão desconcertado com a covardia da noite anterior (onde já se viu?
Acreditar numa bobagem daquela...) que prometeu para si mesmo:

Nunca mais, tivesse o tamanho que tivesse, fosse qual fosse a mulher, elas não lhe roubariam um segundo sequer de sono.

Doce ilusão.

Passou vida afora tomando trompaços das mulheres que encontrou pelo caminho, mesmo aquelas que só existiram na ficção dos próprios sonhos e das noites insones.

 
 
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