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Título: Os óculos do Velho
Autor: Rodolfo C. Martino - publicado em 12/08/2012
 

Mandei consertar os óculos do Velho ontem.

Foi o presente que lhe dei no último Dia dos Pais que passamos juntos.

Quero guardá-los em perfeitas condições.

O Velho tinha lá suas vaidades.

Por certo, não iria gostar de ver o ‘bichinho’ com uma das hastes bamba, a lente direita solta, perigando de cair a qualquer momento.

É certo que, durante uns tempos, ele andou com os óculos antigos remendados, com fita durex.

A grana da aposentadoria era pouca.

Era a solução que tinha e podia à época.

Mesmo assim, e para não dar bandeira, o Velho só usava os óculos em público quando estritamente necessário. A leitura de um cartaz aqui, a conferência do jogo do bicho ali, essas coisas.

Fora isso, o lugar da combalida armação era o bolso da camisa, com a gambiarra devidamente escondida.

É tão verdade isso que nem eu – que o via diariamente – me dera conta da precariedade da situação.

Foi preciso que a mãe me alertasse.

Aproveitou a proximidade do Dia dos Pais para dar o toque:

-- Você já reparou nos óculos do seu pai?

Na manhã de um sábado ensolarado, levei-o a um shopping perto de casa.

Chegamos cedo, antes que as lojas abrissem, para evitar a muvuca comum às datas como esta. Entramos na primeira ótica que abriu, e estávamos ali a escolher o modelo mais adequado, quando um dos balconistas o reconheceu e fez festa ao vê-lo:

-- Ei, seo Aldo, o senhor por aqui? Quanta honra, em que posso serví-lo?

Era um jovem senhor, que ali fazia serviços de ourivesaria e conhecia o pai da esquina onde o Velho fazia ponto todas as manhãs, em uma roda de aposentados.

-- Seu pai é uma figura, e tanto. Está sempre sorridente, é duro nas críticas que faz ao governo (FHC era o presidente, e ousou falar mal dos aposentados) e dá bons palpites para o jogo do bicho.

Concordei de pronto com o rapaz.

Ele conhecia o pai tão bem quanto eu.

-- Um dia a gente acerta aquela milhar, disse ao moço ao saírmos da loja minutos depois.

No rosto do pai, suas marcas indefectíveis: o sorriso de sempre e o olhar de quem sempre viu a vida pelas lentes da amizade e do infinito sonhar.

Pena que o Velho usou os novos óculos por poucas semanas.

Morreu na manhã do primeiro dia de setembro.

 
 
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