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Título: Saudade do AC
Autor: Rodolfo C. Martino - publicado em 06/05/2014
 

Vejo o senhor caminhar pela calçada. Deve ter a minha idade. Pouco mais, pouco menos, por aí. Bermudão, chinelos, camiseta folgada, saquinho de pães em uma das mãos. A essa hora da manhã, eu a caminho do trabalho, dentro do carro, trânsito parado, bate uma ‘invejinha’ do sossego que me passa. Penso nos compromissos que me esperam, na jornada tripla – manhã, tarde e noite. É mole ou quer que mexa?

Sigamos em frente que o sinal abriu, e o congestionamento deu uma breve aliviada. Logo para.

Paro em frente ao ponto de ônibus, apinhado de gente. A moça de terninho escuro e cabelos vermelhos corre para não perder o embarque. Lembro o tempo em que pegava oito ônibus por dia, Era jovem e inconsequente. Morava no Ipiranga, estudava na USP, trabalhava na periferia de Guarulhos, bairro do Jardim Moreira. Era meu desafio diário, por ano e tanto foi assim. Não me queixava da rotina. Hoje me arrepia só em revivê-la aqui nessas breves linhas.

II.

Ops...

Agora me livro do emperra deste semáforo, e pista limpa à minha frente. Antes porém reparo no casal que se empenha em abrir a imensa porta de ferro da loja em – imagino – trabalham. É um trampo e tanto. Haja cadeados e trancas. A questão da segurança hoje é prioridade. Tenho uma vaga lembrança deles. Afinal, passo por aqui todos os dias. Mas nunca atentei mais fixamente a esta cena, nem às que narrei acima.

Estranho, mas já desenvolvendo uma velocidade com a minha pressa em chegar, recordo o grande e saudoso AC, primeiro editor com quem trabalhei. Era um cara da noite. Da redação emendava uns perdidos que acabava invariavelmente em algum boteco perdido no mundo. Sempre dava um jeito de chegar antes que o sol nascesse. Desse modo, não precisa dar explicação à patroa em casa. Estava no fechamento do jornal – e pronto.

III.

Certa vez, exagerou no pifão. Acordou no balcão de um bar na Estação de Trem de Santo André, e não sabia onde estava. Para qual Planeta havia sido abduzido. Quem eram aqueles seres formais que circulavam em bando pelos arredores, num ir e vir desconcertante para quem acabara acordar.

Que massa era aquela?

Do primeiro ‘orelhão’ (ainda existe?) que encontrou, ligou desesperado para a redação e pediu que alguém fosse resgatá-lo. Se ele não sabia onde estava, como poderíamos sair para lhe socorrer?

IV.

O AC estava apavorado. Nunca acordava antes do meio-dia, entrava lá pelas três no jornal, então, no seu vão entendimento, era naquele horário que a vida começava.

- Diz para o seu Elizeu (o motorista da redação) vir me buscar. Vocês são meus amigos ou não são?

Éramos, só não sabíamos onde ele estava.

V.

Foi nessa hora que Romeu, o repórter-fotográfico, chegou com ares de ressaca braba e foi logo anunciando a piada do ano:

- Caras, vocês não o que o AC aprontou ontem. Deixou a gente falando sozinho no boteco do Sacomã, entornou umas a mais e, no maior porre, disse que iria buscar a Madona na Estação de Trem de Santo André. Pirou, gente. O cara aloprou de vez. Vocês acreditam nessa?

Claro que acreditávamos.

E como acreditávamos!

E lá se foi o pobre Elizeu fazer o resgate do figura.

Saudades do AC, e daqueles idos...

 
 
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