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Título: Acorda, amor
Autor: Rodolfo C. Martino - publicado em 15/05/2015
 

Se eu demorar uns meses
Convém às vezes você sofrer
Porém depois de um ano
Eu não vindo
Vista a roupa de domingo
E pode me esquecer


Gosto especialmente desses versos da canção “Acorda Amor”, de Julinho da Adelaide, gravada por Chico Buarque no elepê (imagino que a garotada saiba o que vem a ser isso) “Sinal Fechado” no longínquo ano de 1974.

A ditadura (essa que alguns querem de volta) grassava solta no País.

Chico Buarque tinha todas as suas canções previamente censu
radas.

Um ano antes, no festival Phono 73, houve o episódio em que órgãos de segurança desligaram a rede elétrica do Palácio das Convenções do Anhembi enquanto ele e Gil cantarolavam a também censurada “Cálice”.

Foram momentos de pânico. Até que as luzes se reacenderam e Chico disse a célebre frase:

“Vamos ao que se pode”.

E cantou “Noite dos Mascarados”:

“Quem é você
Adivinha, se gosta de mim
Hoje dois mascarados
Procuram os seus namorados
Perguntando assim”

II.

Para escapar da sina dos censores e viabilizar um novo disco, a Philips propôs a Chico que gravasse um ‘bolachão’ só com músicas de outros autores. Deixou a carga de Chico a escolha da música e dos autores. Caetano (“Festa Imodesta”), Gil (“Copo Vazio”), Tom Jobim (“Ligia”), Noel (“Filosofia”), Walter Franco (“Me Deixe Mudo”), Paulinho da Viola (a emblemática “Sinal Fechado” que dá nome ao disco), entre outros.

Nessa lista apareceu, para surpresa de muitos, o nome de (in)certo Julinho da Adelaide, autor do samba “Acorda Amor”.

Na entrevista de lançamento do disco – eu estava no comecinho da minha vida de repórter -, Chico sanou a curiosidade de todos sobre quem era o tal. Era um compositor que ele descobriu por acaso em uma noite numa roda de amigos. Morava em um dos morros cariocas. Era muito divertido e o samba que escolhera para gravar era, na verdade, uma crônica daqueles tempos em que a malandragem não tinha sossego.

III.

Meses depois, o disco no auge das paradas de sucesso, o samba estourado na programação das rádios, descobriu-se a verdade verdadeira. Julinho da Adelaide fora uma invenção do próprio Chico para driblar os censores e a letra da música retratava a caçada da Polícia na captura daqueles que ousavam se opor à ditadura.

Há, entre outras, a sagaz ironia de, na hora do aperto, chamar pelo ladrão e a sublime declaração de amor que o verso que inicia o post de hoje encerra.

Se ele (o procurado) demorasse a retornar, que a moça seguisse sua vida, pois os órgãos de repressão tinham dado um sumiço nele.

Era o pesadelo anunciado daqueles tempos que alguns insistem em querer de volta.

Vá entender...

 
 
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