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Título: A fábula e a seleção
Autor: Rodolfo C. Martino - publicado em 16/06/2016
 

Quando cheguei à roda de amigos, o Poeta já monopolizava as atenções. Narrava em voz alta e tom professoral uma fábula que retirara das mais longevas tradições chinesas. Descrevia a história do jovem aldeão que encontrou na floresta um portentoso cavalo branco – e todos festejaram a sorte do rapaz.

Todos, menos um velho sábio que ponderou:

“Pode ser sorte, mas também pode ser azar.”

Ninguém entendeu a observação do homem. E rebateram quase em coro:

“Como assim? Alguém nesse desvalido lugar encontra um animal tão valioso, tão prestativo – e isso não é bom?”

(...)

Os dias se seguiram...

Numa certa tarde correu pela aldeia a notícia de que o jovem caíra do cavalo e quebrara a perna. Seu pai estava desesperado, pois todo o trabalho da colheita daquele ano teria que ser feito apenas e tão somente por ele (pai), senhor já alquebrado pelo tempo e pelas vicissitudes da vida.

Então, na mesma taverna em que se reuniram para comemorar a sorte do rapaz em encontrar o animal, agora lá estavam a lamentar a queda que o deixaria inválido por semanas e meses.

Neste exato momento apareceu aquele senhor que fez a ponderação. Todos logo trataram de se desculpar por, naquele dia, contestarem afoitamente suas palavras.

Foi aí que ele mais uma vez a todos surpreendeu:

“Mas, essa queda pode ser também um sinal de sorte. Acreditem. A linguagem do invisível é repleta de nuances.”

“Como assim?” – retrucou o pai do moço.

Se sentido apoiado pelos que estavam ao redor, o senhor continuou:

“Meu filho em casa, inutilizado. Eu, com tanto trabalho pela frente, ameaçado de perder parte da colheita e de meu próprio sustento e o senhor me diz que estamos com sorte. Faça-me o favor...”

“Quem viver verá.” – finalizou o sábio.

(...)

Semanas depois, sem que ninguém entendesse exatamente o motivo, um pelotão de cavaleiros da Guarda Real chegou à distante aldeia.

Veio com a finalidade de recrutar os jovens aptos para comporem as fileiras do exército em regime de urgência.

O reino estava sendo atacado por tribos inimigas e precisavam de homens saudáveis para defender as muradas do castelo.

Todos os jovens da aldeia foram levados pelo pelotão.

Todos, menos aquele que estava com a perna quebrada e sem condições de lutar.

Em prantos, o pai do rapaz maldisse a hora em que duvidou das previsões do velho sábio.

(...)

Fim da história.

Meu amigo Poeta fez questão de referendá-la ainda mais com citações de nomes de seitas e personalidades orientais que, disse ele, são fontes de inesgotável sabedoria e objetos de suas mais profundas pesquisas e detalhados estudos.

Como cheguei ao meio da falação, não estava entendendo o motivo para tamanho e tão nobre pronunciamento. O conto, eu o conhecia dos livros do Paulo Coelho, mas resolvi não entregar aos amigos que a pretensa erudição do Poeta não ia muito além das páginas de O Alquimista.

(...)

Fiquei na minha.

Mas assim que pude, chamei o amigo num canto e perguntei:

- Poeta, a troco de quê tamanha discurseira?

E ele foi bem sincero na resposta:

“Tô puto da vida que o Tite foi pra seleção e deixou o meu Corinthians na mão.”

 
 
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