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Título: Um oi para a saudade
Autor: Rodolfo C. Martino - publicado em 02/07/2016
 

Perguntam-me se sou um memorialista.

Acho um exagero – e refuto.

Quem sou eu para tanto?

Sou um contador de causos, um escrevinhador raso.

Não tenho essa importância toda para, mundo afora, memoriar.

II.

Dizem, então:

- Ah, você é mais um saudosista...

Usam um tom desafiador, e argumentam que meus sofríveis textos, aqui e ali, são evidências de que esta não é uma tese inteiramente insólita.

Não é bem assim que me vejo, não.

Gostaria de discordar – e dizer como Paulinho da Viola, o poeta do samba, disse naquele célebre documentário:

“Meu tempo é hoje”.

Mas, reconheço: impossível a quem viveu como eu vivi e ‘confesso que vivi’ (parafraseando outro poeta, desta vez o chileno Neruda), não ter lembranças que gotejam pingos de nostalgia que desaguam no estuário que se pode chamar de Saudade.

III.

Ao cronista, consta, basta uma janela.

Ou uma lembrança.

E esta nos é incontrolável.

Pode ser o sol esquivo de uma manhã.

... a silhueta daqueles prédios no horizonte.

... o instante no supermercado diante da prateleira de vinhos.

Pode ser aquela canção do Caetano que fala da rua deserta.

Ou aquela outra, da lua e da estrela.

Pode ser alguém que se parece tanto com alguém que o coração acelera e agradece o doce equívoco.

E a sugestão.

Pode ser qualquer ação banal, cotidiana.

Atender ao telefone com um “oi” no lugar do tradicional “alô”.

(O pai dizia: “pronto”.)

IV.

Como não rir de si mesmo ao recordar o dia em que andou pelo alto das montanhas sobre as nuvens?

Santo privilégio.

Retalhos de vida que valem por uma existência.

Cada qual tem os seus.

E, no tempo da delicadeza que ora vivo, confesso: esses me são imprescindíveis.

V.

A propósito, o grande Mario Quintana ponderou sobre As Coisas do Tempo:

“Com o tempo, não vamos ficando sozinho apenas pelos que se foram: vamos ficando sozinhos uns dos outros”.

VI.

Permitam-me, pois, amigos leitores, que os meus textos sejam como o som daquele tocador de banjo no grupo de jazz.

Não é o protagonista, não é o indispensável; quando aparece, porém, faz com que todos se permitam o encantamento da dança. Ou, ao menos, estalem os dedos a acompanhar o ritmo.

VII.

Comecei com Paulinho da Viola é justo que termine com um de seus versos mais bonitos que resume o ofício do bom sambista que, em essência, é um cronista com trilha sonora:

“Hoje eu vim, minha nega
Como venho quando posso
Na boca, as mesmas palavras
No peito, o mesmo remorso
Nas mãos, a mesma viola
Onde gravei o seu nome.”


*FOTO: Jô Rabelo

 
 
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