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Título: A cigarreira
Autor: Rodolfo C. Martino - publicado em 03/04/2017
 

Já lhes falei aqui do vô Carlito?

Imagino que sim.

Mais de 3 mil posts, como não falar de figura tão singular na minha vida?

Primeiro, porque tinha um nome pomposo: Carlos Humberto Vitório Avezzani. Segundo, porque imagine para uma criança o que é legal ter um avô bonachão, com o apelido de Carlito? É inevitável a associação ao personagem de Charles Chaplin.

O vô Carlito também era muito divertido. Era carioca de Cascatinha, de ascendência napolitana. Só essa mistura já garante o boa-praça que ele sempre foi.

(...)

Aproveitei o ócio do domingão para mexer numa gaveta de coisas antigas – e encontrei a cigarreira de madrepérola que vô usava, sempre repleta de cigarros Luxor, sem filtro.

Não houve como conter a emoção.

As lembranças se fizeram vivas. Meninote, quatro ou cinco anos, o vô Carlito me levava pela mão ao jardim florido que havia (ainda há?) nos arredores da escadaria em frente à igreja Nossa Senhora da Glória, no Cambuci. O vô chutando a bola para que eu defendesse na viela de piso barrento ao lado da casa, onde morava. A voz do vô a cantar “Luar do Sertão”. Copo de vinho em uma das mãos, o cigarro na outra. Ou ainda ele, na janela, a provocar as tecelãs que passavam na calçada da rua Lavapés. Era um galanteador.

“Ô, morena bonita, bom almoço. ”

O vô não era fácil

(...)

O vô Carlito era chapeleiro. Trabalhava no Ramenzoni, uma das mais conceituadas fábricas de chapéus do País.

Tirou proveito do seu ofício para confeccionar um chapéu para mim igualzinho aos dos adultos que usavam. Garotos, como eu, usavam bonés de pano para se proteger do sol. Só os marmanjões tinham o direito de cobrir a cabeça com um chapéu, de cores sóbrias, escuras. Podiam ser pretos, marrons ou cinzas, como o meu.

Foi um gesto de carinho, disse a mãe. Nem para o próprio filho, meu tio Neno, ele tivera tamanha distinção.

(...)

As convenções daqueles idos dos anos 50 não eram fáceis, não.

As pessoas me olhavam de um jeito estranho, tipo: “quem é a figurinha? ”.

Logo ganhei o apelido de o Menino do Chapéu.

Sentia um leve deboche nos comentários. Mas, não me fiz de rogado.

Continuei fiel ao meu novo look.

(...)

A bem da verdade fiz uma breve adaptação aos novos padrões que, naquela fase, me interessavam.

Dobrei as abas para dentro – e transformei o legítimo Ramenzoni numa cópia fiel do chapéu do Roy Rogers, o cowboy valentão do seriado da TV.

O vô não deve ter gostado nada da brincadeira.

Ainda lembro o comentário que fez ao me ver com o chapéu todo amarfanhado:

- Esses moleques de hoje não têm jeito mesmo...

 
 
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