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Título: A ‘Estrela Vermelha’ ainda não se apagou
Autor: Pâmela Lee Hamer - publicado em 18/11/2006
 

A TRAJETÓRIA DE TAIGUARA E A RELAÇÃO COM A MÍDIA

Por Pâmela Lee Hamer


“Hoje
As minhas mãos enfraquecidas e vazias
Procuram nuas pelas luas, pelas ruas
Na solidão das noites frias por você “.

A voz suave era uma constante na programação das rádios do eixo Rio-São Paulo. Cantava a angústia típica da juventude do final dos anos 60 e início dos 70. Falava de perda e de uma procura infinita na delicada letra da canção “Hoje”. Os versos que faltavam para consagrar o cantor e compositor, Taiguara Charlar da Silva, como um grande nome da então efervescente música popular brasileira. E ainda hoje, o músico é uma referência para os amigos e fãs.

Um deles é Clóvis Monteiro, Duduka. O jornalista nunca se esqueceu de como o cantor foi aclamado na fase romântica. “Entre 1960 e 70, Taiguara era como um Roberto Carlos para a época”, diz.

O prestígio do músico também foi percebido pelos produtores e diretores. Filmes como “O Bolão” e “Crônica da Cidade Amada”, com Billy Blanco, Blecaute e Grande Otelo, estavam no caminho do poeta entre 1966 e 1967. Mas alguns críticos e músicos nem sempre viam, no estilo romântico do artista, um talento a ser exaltado. Para eles, canções de amor beiravam a alienação.

Os amigos e fãs de Taiguara não se intimidavam. Espalhavam aos quatro ventos que gostar do artista, uruguaio de nascença, representava bom gosto musical.

O ARTISTA PELA OBRA

“Junto ao Morro da Coroa, dois mundos:
o mundo do samba na rua e o mundo
do tango em casa, que rapidamente se
fez samba-canção”.
(Taiguara, sobre os tempos em que vivia
em Santa Tereza – RJ).

Taiguara já nasceu com a música no sangue. Em 9 de outubro de 1945, ainda bebê, dormia ao som de composições populares do avô, Glaciliano Correia da Silva. O pai, Ubirajara Silva, completava com o bandoneon. E a mãe, Olga Charlar, só para variar, cantava, em espanhol.

Aos quatros anos, veio morar no Rio de Janeiro. E sua integração foi tanta, que lhe valeu o apelido de “Carioca”. Aos 15 anos, mudou-se para São Paulo. Tinha decidido estudar Direito na Universidade Mackenzie. A última mulher do compositor, Ana Lasevicius, acredita que foi por influência do nome. “O nome Taiguara veio do livro Ubirajara. Significa, na origem, livre senhor de si e, na essência, representa um diplomata”, afirma.

A paixão pela diplomacia não durou muito: depois de dois anos, Taiguara abandonou a faculdade. Tempo suficiente para organizar e participar de festivais universitários, como o Mac-Dam de Jograis. Jogo do destino para que conhecesse Vinícius de Morais, Toquinho e Chico Buarque.

O jornalista Assis Ângelo era repórter da Folha de S. Paulo quando foi fazer uma matéria sobre o novo nome do cenário musical brasileiro: Taiguara. Entre conversas e depoimentos, começava ali uma amizade. “Um dia, ele foi à minha casa, e minha mulher era “apaixonada” por ele. Até autógrafo ela pediu”, conta Assis.

A convivência com o músico possibilitou ao comunicador conhecer mais sobre a personalidade do artista, inclusive sobre a participação em shows universitários. “Ele participou muito de festivais, mas dizia que queria ir além”, destaca o jornalista.

O “algo mais” não demorou muito. Ao 18 anos, o “Carioca” passou a cantar no Sebastião Bar. A ponte para que a Polygram visse o seu talento e o contratasse. O primeiro LP foi gravado em 1965.

No mesmo ano, participou do show Primeiro Tempo 5 x 0, de Miele e Ronaldo Boscoli. Ao lado de Claudete Soares e do Jongo Trio, ganhou o primeiro lugar como intérprete. A música era nada menos que “Helena, Helena, Helena”:

“Talvez,...um dia
Por descuido ou fantasia
Helena,...Helena, Helena
Nos meus braços debruçou”.

Taiguara e os fãs não sabiam, mas tudo estava prestes a mudar.

E O CÉU FICOU CINZA

“Paciência e coragem
seguem a mesma viagem”
(Taiguara)

Em 1968, o sol parecia brilhar menos para os brasileiros. Botas, quepes e cinturões com armas representavam a marca dos “escolhidos”. Os militares detinham o poder e decidiam o que a população podia saber, dentre abusos de autoridade, torturas, exílios e jogos esportivos, como a Copa de 70.

Como no Brasil, algo também havia mudado em Taiguara. As música românticas não faziam mais sentido para ele. Então, o poeta decidiu fazer composições mais engajadas politicamente. Com o álbum “A Ilha”, de 71, começavam os problemas com a censura.

A segunda esposa do cantor, Eliane Potiguara, presenciou as perseguições. “Recebíamos telefonemas, cartas anônimas, e isso desestabilizava a nossa família”, diz a escritora e professora indígena.

Uma das filhas do casal, Moína Potiguara, também se lembra do quanto o pai sofreu com a ditadura. “Ele teve 68 músicas proibidas, o que o impediu de dar continuidade ao seu trabalho no Brasil”, fala Moína.

Pela pressão da ditadura, os músicos se comunicavam por meio de músicas. Enquanto Taiguara cantava “Universo do Teu Corpo” (Eu desisto / Não existe essa manhã que eu perseguia), por exemplo, Raul Seixas respondia com “Tente Outra Vez”.

Sem resultados concretos e por não se conformar com a situação do Brasil, Taiguara partiu para o auto-exílio. Eliane acredita que foi a maneira que ele encontrou para não deixar para trás o que acreditava. “Como um rinoceronte que possui o caso duro e amadurecido, nunca desistiu de sua ideologia e patriotismo, ressalta

BUSCA PELA IDENTIDADE

“Em 73 eu parei de cantar em público
e me comprometi a só voltar quando
houvesse menos censura e mais direito
para os trabalhadores da minha sofrida
Terra das Palmeiras. Fui embora.
Fui indo. Europa e África me
fizeram ameríndio”.
(Taiguara)

Em 71, estudou um ano e meio na escola de Música Guidhall. O músico inglês Paul Nieman trabalhou com o compositor durante essa fase, e considera essa uma etapa decisiva na vida do cantor. “Foi importante para suas composições se tornarem mais ousadas e desafiadoras”, observa ele.

Em maio de 76, no Rio Grande do Sul, o show de lançamento do álbum Ymira, Tayra, Ipy, que contaria com a participação de Hermeto Pascoal, Ubirajara Silva, Toninho Horta e Novelli, foi cancelado. Mais uma vez Taiguara partia para um novo exílio. Esteve em Paris (1976), Tanzânia e Etiópia (1978).

Para Duduka, os auto-exílios eram a vontade de buscar a própria identidade. “Taiguara sentia necessidade de saber quem ele era na origem, por isso, foi estudar línguas e caminhou para a África”, completa. A contemplação das idéias marxistas-leninistas lhe valeu o apelido de “Estrela Vermelha”.

Por declarar o que pensava, o poeta pagou um preço bem caro. A partir do primeiro auto-exílio, foi esquecido pela mídia e por alguns fãs. De 1983 a 1994, ficou sem gravar uma só música. Para Eliane, a mídia não entendeu o que “Carioca” quis mostrar. “Os jornalistas que iam à nossa casa deturpavam as suas palavras na imprensa, ignoravam a essência de sua nova filosofia e o achavam transtornado”, revela a educadora.

ACEITAÇÃO PELOS SEUS PARES

Taiguara também nem sempre foi compreendido por outros músicos. Os bossa-novistas, como João Gilberto, o adequavam como ‘moderno demais’ para a época (1965-1975).

Na visão do maestro Chico de Moraes, manter uma certa distância de Taiguara era como estabelecer um patamar seguro para não cair no abismo da loucura. “O sucesso dele, para nós que vivemos nesse meio, é um alerta”, assume.

A cantora Claudete Soares tem uma percepção diferente de Moraes. “O que o destruiu e também a outros cantores, como Elis Regina, foi o talento porque talento demais incomoda”,afirma.

No entanto, o compositor não viveu só de críticas. Chico Buarque nunca escondeu que sempre gostou do músico e de suas composições. Em entrevista a Jorge Cunha Lima em 1979, Chico ressalta sua admiração. “Cheguei a tocar (no João Sebastião Bar), mas foi o Taiguara quem conseguiu um contrato. Ele ganhava cinco cruzeiros por noite, e eu achava fascinante alguém ganhando para tocar”, afirma.

Rita Ruschel, jornalista especializada em música popular brasileira, e Vanda Helena Machado, radialista, são outras duas fãs do poeta uruguaio. As profissionais têm muitas idéias diferentes quanto ao músico, mas concordam em um aspecto. “Até agora, não apareceu ninguém com o talento dele”, ressaltam.

ENTRE AS RAÍZES AFRICANAS E A TERRA DO SOL NASCENTE

“Hoje a minha pele já não tem cor
Vivo a minha vida, seja onde for”.
(“Teu sonho não acabou” – “Brazil-Afri”)

Quase no final da vida, o músico já estava bem mais relaxado quanto à conduta política. Mas era tarde para recuperar o tempo perdido. Assim, aproveitou para estudar Jornalismo. O último álbum “Brazil Afri”, de 1994, foi todo direcionado aos difusores da notícia. O próximo trabalho de Taiguara seria dedicado ao samba carioca, com regravações de Noel Rosa e Paulo Cesar Pinheiro. Sonho interrompido por um câncer na bexiga, que lhe arrancou o fio da vida em 14 de fevereiro de 1996, aos 50 anos.

Mas a “Estrela Vermelha” ainda não se apagou. Existe uma campanha de repatriamento, conduzida por Clóvis Monteiro, Ana Lasevicius e uma das filhas do cantor, Ymira Silva, para recuperar a obra dele. A motivação foi o relançamento, em 2002, do disco Tayra, Imira Ipy, no Japão.

Para o jornalista Ricardo Schott, além da campanha, é necessária uma postura mais ativa das gravadoras brasileiras. “Foi uma bobeada não terem relançado o disco em algumas das séries de relançamentos, até porque foram reeditados discos bem menos comerciais”, explica.

Já para Assis Ângelo, “quem dá identidade ao País é o povo”. Assim, é preciso que a população perceba o que realmente importa e cuide do que faz parte da sua cultura, distuinguindo o que é fato ou presença na mídia. Só assim Taiguara e outros artistas de representatividade poderão ser lembrados no futuro.

 
 
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Autor: CLÓVIS DUDUKA DA SILVA MONTEIRO Data: 27/12/2009
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