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Título: Escova
Autor: Rodolfo C. Martino - publicado em 18/03/2007
 

Escova era um dos nossos.
Portanto, da fina clã de freqüentadores
do Sem Nome, boteco que não mais existe,
onde o Sacomã torcia o rabo,
no cruzamento da rua Bom Pastor
com a rua Greenfeld, em frente
a agência dos Correios...

Agora, ali está a Estação do Fura-Fila
e tudo parece direto e reto...

Mas, é bom que se registre:
nem sempre foi assim...

II.

Os feitos da rapaziada não serão
esquecidos por quem lá conviveu
e com o bizarro do lugar,
nos idos e havidos dos anos 80
até noventa e qualquer coisa,
quando morreu Nasci,
o mestre dos mestres...

Todos tínhamos lá nossas manias.
Escova tinha a dele, óbvio.

Era dado ao esporte da trampolinagem.
Com uma estóica diferença.
Apaixonava-se por todas as mulheres
que cruzavam simultaneamente seu caminho...

À todas, dedicava um amor infinito...

E o mais divertido para nós
-- e triste para ele – ficava arrasado
quando uma delas se mancava
e lhe dava um justo pé no traseiro...

Nessas ocasiões, dizia ser
a mais infeliz das criaturas. Nunca
mais amaria ninguém e cousa
e lousa e mariposa...

Isso animava nossas conversas
e beberagem, onde o mais bonzinho
dava nó em pingo dágua e era
capaz de descascar banana
com luvas de boxe...

III.

Uma das fossas do Escova, porém,
pareceu mesmo ser coisa séria. O cara
era o primeiro a chegar ao boteco
e o último a sair, trêbado e choroso.
Só falava da moça, fosse quem
fosse que caía na besteira de
dividir a mesa e a cerveja com ele...

A situação chegou a tal ponto
que um dos nossos pediu que
parássemos com a gozação
e resolveu aconselha-lo:

-- Cara, desta vez é sério, hein!
Procura um psicólogo, meu. Porque
aqui ninguém agüenta mais
toda essa lamúria. Mas, toma cuidado
ao sair, para não enroscar a galhada
nos fios que a Eletropaulo trocou hoje...

IV.

Três semanas depois já nos preocupávamos.
Escova desaparecera. Não sabíamos
se havíamos magoado o amigo ou
se a paixão fora tão letal a ponto de...

Alguns chegaram a imaginar o pior...

-- A gente nunca sabe. O Escova
é capaz de tudo por uma mulher,
sem abrir mão das outras, claro...

V.

Até que ao fim da tarde
de um belo dia, eis quem chega
todo saltitante, perfumado e,
podemos dizer, relativamente feliz...

-- Namorada nova, Escova?

-- Ainda não. Ainda não. Estou só
com as duas que restaram...

-- Ah!

VI.

-- Segui seu conselho. Procurei ajuda.

-- Jura?

-- Fui a uma psicóloga. Três sessões bastaram...

-- Como assim? Uma nova corrente?
Deve ser algo moderno, pois
os tratamentos duram anos e anos...

-- O básico. Em três sessões, foi a psicóloga,
tadinha, quem pirou...

-- Ai, ai, ai...
Explica esse treco direito...

VII.

-- A senhora se dizia da linha do Jung,
se não me engano. Me perguntou,
de primeira: “Você quer mudar?”.

-- E você?

-- Eu disse não. Está ruim...
Mas, o problema não sou eu. É aquela
gracinha que não se deu conta
que sou o homem da vida dela...

-- Escova, Escova...
Você e suas prosopopéias...

-- Sabe como é, né. Tive que dizer
para a senhora psicóloga a verdade.
Não sei lá de muita coisa, não.
Mas sei que me sinto bem em ser assim...

VIII.

-- E a psicóloga desistiu você, lógico?

-- Mais ou menos. Veio com uma cascata:
“Quer dizer que o moço tem roupas espalhadas
em três quatro casas e acha normal?”

-- Ela tem razão. Nada como uma especialista.
E o que você respondeu?

-- Eu respondi que é melhor do que
não ter roupa alguma, não é?

!!!!!!

IX.

-- Aí, ela tirou os óculos, fechou o bloquinho
onde escrevia e ficou batucando com
a bic sobre ele. Me pareceu nervosa.
“Você gosta de todo mundo, mas
não abre mão de nada. E acha bonito?”

-- Escova, você conseguiu estressar a psicóloga...

-- Não, juro que não. Só respondi o óbvio.
Não gostar de ninguém e abrir mão de tudo
seria muito pior, concorda?

-- Vigê...

-- Então... Aí, ela me deu alta.
E devolveu o dinheiro das outras sessões...

X.

-- Por que isso? Não entendi.

-- Ainda não sei. Mas desconfio...

-- Desconfia do quê, homem?

-- Desconfio que ela descobriu que
o marido dela é muito parecido comigo...

[Texto publicado no livro "Meus Caros Amigos – Crônicas sobre jornalistas, boêmios e paixões"]

 
 
COMENTÁRIOS | cadastrar comentário |
 
Autor: doris cristofani Data: 18/03/2007
Sabe de uma coisa...acredito e entendo o Escova...
Não precisamos direcionar o afeto a uma só pessoa...isso é sufocante,quando o sentimento é livre e intenso.
Raul Seixas já dizia...¨SE esse amor,ficar entre nós dois...vai ser tão pobre amor...¨Ser feliz á a busca...e cada um do seu jeito...
bjos
 
 
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