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Título: Planeta Sonho
Autor: Rodolfo C. Martino - publicado em 05/06/2007
 

Foi num dia 5 de junho como hoje é. Lá no mais antigos dos anos. Se não me engano, era uma sexta-feira de outono. Ao contrario de hoje, não fazia frio. Ou fazia? Sei lá. Mas, isso pouco importa.

Importa saber que ele a acompanhou até o ponto de ônibus, depois de uma dura jornada de trabalho - e era só e tudo o que podia fazer naquela noite. Aliás, há um certo tempo andavam próximos. Conversavam muito. Riam de qualquer bobagem – e falavam de seus respectivos pares sem restrição alguma.

-- Ontem jantei na casa da minha sogra.

-- Eu saí com o Jorge, quer ficar noivo. Fiquei feliz.

-- Olha só. Logo, vira uma senhora, depois mamãe.

-- Deixa de ser bobo. Trabalhe...

II.

Mal podiam imaginar. Embora na repartição, quem os visse, logo detectava uma certa “eletricidade” no ar.

-- Ai, ai, ai. A Fernandinha e o Bruno, sei não. Aí tem...

-- Deixa de ser maldoso, Hildebrando. Os dois são compromissados. E você imaginando coisas.

-- Compromissados? Em que mundo você vive, Marisa?

-- Quer saber? Até que formariam um lindo casal...

Longe disso, os dois continuavam os seus afazeres indiferentes a todos e aos comentários. Até aquele dia, a tal sexta-feira, 5 de junho. Bruno fazia o turno da manhã, até às 16 horas. Fernanda pegava às 12 horas. Até às 20.

III.

O arquiteto desceu para o almoço. Fechou o stúdio, pois todos se anteciparam a ele na corrida ao selv-service. Antes de dar o último giro na chave, olhou o gabinete vazio e pareceu ver a silhueta de Fernanda por entre o mobiliário moderno, porém simples. Brevíssimos segundos que aceleraram o coração do moço. Ele nem se deu conta e seguiu com um leve sorriso de inocência.

Na rua, de cara para o sol, a ficha caiu...

Se ele continuasse a desenvolver aquele projeto por mais alguns minutos, era muito provável que Fernanda chegaria e o encontraria. Estariam a sós. Poderiam rir e conversar à vontade. Longe dos olhares capisciosos do Hildebrando. Não pensou duas vezes. Deu meia volta e logo estava em frente à prancheta. Risca daqui, esquadrinha dali. Um olho na projeto e outro na porta.

Em vão.

IV.

Deu uma hora – e nada da moça aparecer. Os colegas voltaram e estranharam a tristeza de Bruno.

-- O que foi, compadre? Não almoçou?

-- Quer virar “arquiteto padrão”, hein...

-- Pode ir que ‘cobrimos’ a sua...

Bruno tentou melhorar a cara. Pensou em aceitar a proposta e ir almoçar – o estomago roncava de fome. Mas, avaliou. Se sair agora e ela chegar, perco de estar junto dela por mais tempo.

-- Estou sem fome. Quero terminar o projeto.

-- Então, melhora a cara – provocou Hildebrando, piscando maliciosamente para Marisa.

-- Deixem de bobagem. Sabem que fico ansioso quando está terminando o prazo para entregar um projeto.

A bem da verdade, todos os traços de Bruno nas últimas horas eram feitos à margem da planta. Riscara ene vezes, de ene formas o nome de Fernanda. Olhar aquela rabisqueira foi a revelação – estava apaixonado. Irremediavelmente apaixonado.

Simples e complicado.

V.

Deu-se conta que acabara de por o pé em outra dimensão, em outro planeta. Um tal de Planeta Sonho. Mesmo com seus quase 30 anos e tantas vivências, surpreendeu-se era um mundo absolutamente desconhecido. Encantado e ameaçador.

Como num filme de ficção, abriu-se um arco-íris no céu da sua imaginação. Que logo se espalhou em cores por um caminho sinuoso e sem fim. O estômago vazio, a percepção do novo, o coração na mão. Um misto de alegria e medo. Um zoom na sua cabeça, e a vista escureceu. Sentiu uma tontura. A sensação de que flutuava e flutuava e flutuava...

-- Bom dia, Bruno. Tudo bem? Me atrasei, né, gente...

Era a voz de Fernanda, mais melodiosa do que nunca.

Nunca antes, Bruno sentiu tamanha felicidade ao responder um simples “bom dia”. Olhar para Fernanda só comprovou a doce realidade. Às suas lapiseiras importadas, confessou:

-- É a mulher da minha vida.

Simples e complicado.

VI.

Como sempre acontece em tais ocasiões, as mulheres mostram-se mais seguras. Mais perceptivas também. Bastou olhar para Bruno e perceber que ele estava diferente. Engraçado, ela também se sentiu diferente. Não precisou de mais do que alguns segundos para entender. Só o tempo de enxergar seu nome escrito de mil maneiras nas folhas na mesa do moço.

Gostou de se sentir “gostada”. Que mulher não gosta?

Por que não? – perguntou a si própria.

Como se nada tivesse acontecido, foi para o seu canto – e não deu a menor bandeira. Lembrou do futuro doutor Jorge, um médico promissor. O noivado anunciado. Os amigos comuns. Talvez fosse só uma alucinação. Um impulso. Melhor deixar pra lá...

Até que deixaria se não fosse a tal predestinação.
Era junho, dia 5 - e estava escrito.

Simples e complicado.

VII.

-- Bruno, o projeto está pronto?

Vociferou o chefão com caras de poucos amigos.

-- Precisa estar pronto hoje. Amanhã pela manhã, tenho uma reunião com o cliente. Se precisar de ajuda, chame a Fernanda - o que ela está fazendo pode esperar. Você, não.

Se é que me entendem, o bravo homem não precisou falar duas vezes. Foi só um jogo de palavras. A abençoada mão do destino. Os dois olharam-se cúmplices e foram conversar na sala de reunião. Traçar os próximos passos do projeto - e da vida. O que era para levar cinco ou dez minutos levou meia hora. Só não levou mais porque o velho Hilde foi se oferecer para qualquer eventualidade, com o sorriso maroto dos inconvenientes.

Simples e complicado.

VIII.

De volta, puseram-se a trabalhar entre olhares e sorrisos. Diria até que a cidade nunca teve um prédio de linhas tão inspiradas. Foi uma tarde/noite inesquecível. Terminaram pouco depois das 22 horas, com o escritório vazio e mais nenhuma dúvida.

Quer dizer, ainda pairava a sombra dos respectivos, já não tão respectivos assim...

Simples e complicado.

IX.

Bruno ofereceu carona. Mamão com açúcar, pensou. Melhor impossível.

Impossível mesmo!

Lembrou que estava sem carro, justo naquele dia. Emprestou o dito-cujo para a respectiva. Desculpou-se. Mas, não se perdoou. Percebeu que Fernanda ficou um tantinho decepcionada. Tentou contornar a situação e fez o melhor que pôde: acompanhou-a até o ponto do ônibus.

Caminharam calados. Apenas, se olhavam. Ele tentou falar. Não conseguia articular frase com frase.

-- Não sei, está acontecendo algo comigo. Eu queria que você soubesse.

Ela adorou deixá-lo sem jeito.

-- Meu ônibus vem vindo.

Ele tremeu na base. Iria perdê-la, como se nada houvesse acontecido. Insistiu.

-- É que eu estou...

Ela não deixou que terminasse a frase. Deu um beijo mais demorado em seu rosto. As mãos se entrelaçaram. Um sorriso, um sussurro.

-- Eu também, bobo.

Ele acompanhou com os olhos o desaparecer do veículo na escuridão da sexta-feira, dia 5, do mais antigo dos anos. No tempo em que o amor transformava o mundo num tal de Planeta Sonho.

[Texto publicado no livro “Volteios - Crônicas, lembranças e devaneios”]

 
 
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Autor: Amanda Valeri Data: 06/06/2007
Simples e complicado...isso se chama Paixão!!!

O suor na mão, as pernas bambas, o brilho no olhar, um soriso diferente, as borboletas no estômago....um sentimento que pode ser uma leve brisa ou um furacão destruidor.

Posso definir como um estado de vida ou um momento de viver a vida. Uma sensação particular, única, indescritível e inigualável....

O estado de paixão torna a vida mais intensa, emocionante, aventureira, imensurável!!

Lindo texto, parabéns!

Beijos,
Amanda Valeri
 
 
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