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Título: Nicola, psicólogo e taxista
Autor: Rodolfo C. Martino - publicado em 29/11/2007
 

Enquanto isso naquele consultório de atendimento psicológico, próximo ao ponto de táxi, em uma movimentada avenida de São Paulo...

-- Então, doutor, não gosto de lembrar disso...

-- Do quê? Só lhe perguntei se gosta de escrever...

-- Gosto e não gosto.

-- Explique-se melhor.

-- Adoro. Mas escrevo sempre sobre minhas emoções, meus desejos, sentimentos muito meus. Por isso, sempre foi algo assim, como direi, clandestino, sigiloso.

-- Por quê?

-- A princípio, eu mesmo não gosto de me expor publicamente. Depois eu era casada e meu marido não entenderia. Aliás, como não entendeu... Também, pudera, os poemas desvendam minha alma que, óbvio, nada tinha em comum com ele.

-- Ah!

-- Doutor, doutor, está me ouvindo?

-- Claro que sim. Continue.

-- Meus poemas têm uma história infinitamente triste. Meu ex descobriu meu baú encantado e deu para o juiz ler. No dia da minha separação, eu tive de ouvi-los em voz alta como prova cabal da minha traição. Difícil, triste...

-- Como você reagiu a essa, digamos, invasão de privacidade?

-- Fiquei atarantada. Só repetia: poemas são poemas.

-- Desde quando você escreve?

-- Escrevo poemas desde menina, desde que comecei a escrever. Naquele dia, me senti a Maria Madalena entre pedras, entende?

-- Entendo.

-- Foi o dia mais cruel da minha vida. O doutor, se quiser, pode incluir esta história na sua tese de doutorado. Sobre o que é mesmo o seu estudo?

-- Mulheres que amam demais.

-- Ah! Então cabe bem a história dos poemas condenados.

-- Pode ser que use, sim.

-- Vou lhe contar mais, então. Naquele dia eu jurei não ter nenhum papel que pudesse me ligar a alguém. Não precisar de juiz, nem de juízo. O doutor me conhece. Pode imaginar a cena que vivi?

-- (...)

-- Foi assim que tudo acabou como acabou. Mas, no meu primeiro poema, eu profetizava:

“Vou embora e levo
só o beijo que roubei
e nunca te fez falta.”

Mas, juro, doutor, não havia traição e eu continuo repetindo: poemas são poemas e poeta tem direito ao perdão. O doutor concorda?

-- Talvez. Mas já deu a nossa hora. Terminamos a terapia por hoje. Estou atrasado para o meu outro trabalho.

-- O doutor atende em outro consultório, tem uma clínica?

-- Não, não. Sou taxista. Ao volante, ouço as pessoas de graça, por ouvir. Mas cobro a corrida e uma taxa extra por histórias. Quer aproveitar? Aonde a senhora mora?

 
 
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