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O melhor dos iguais

O Nasci fazia ponto ali naquele boteco que desapareceu com as obras do Metrô, entre as ruas Grenfeeld e Bom Pastor, onde o Sacoman torce o rabo. Dia sim e outro também, íamos ali marcar presença, ver o amigo, tomar uns gorós, conviver com a sub raça que habitava o local – assim que nós mesmos nos definíamos – e principalmente ouvir suas histórias.

Muitos de nós chegávamos a por em dúvida a veracidade dos causos dos amigos. Outros entendiam tudo aquilo como uma lição de vida, ensinamentos de quem sabia o caminho das pedras.

A bem da verdade, conforme as chuvas e as trovoadas do nosso humor, bandeávamos de um lado para outro. Com ou sem acreditar, porém, todos eram unânimes em dizer que o Nasci era um grande contador de histórias.

E o melhor dos iguais.

Por mais incrível que possa parecer, não se falava só de futebol ou de política ou de como derrubar um chefe insuportavelmente estúpido – como todos, no lugar, consideravam os respectivos superiores. Às vezes, o homem puxava uma conversa diferente.

Discorria sobre TV (e aí sobrava para o jornalista Ismael Fernandes, especializado em novela), cinema (ele ficava insuportável no dia seguinte à entrega do Oscar), teatro (“meu nome artístico como ator era José Augusto” e falava do dia em que perdeu para o Tarcísio Meira num teste para um papel no teleteatro), mpb (a coisa era comigo nessa área) e o que lhe desse na telha – mas, sempre o discurso tinha alguém na mira.

Para o bem ou para o mal.

Por isso, naquele cair de tarde, todos estranhamos quando o Nasci, do nada, sacou esta:

— Não existe amor, meus caros. O que existe hoje é conveniência.

Até aonde sabíamos, o Nasci era rigorosamente equilibrado afetivamente. Passado, presente, futuro, as coisiquinhas do coração estavam sob controle para o Mestre. Mais de uma vez, falou da fase zen que vivia e que não era santo, nunca o foi – mas, queria distância de eventuais “bolas divididas”.

Não, naquele momento da vida.

De fato, não era um desabafo existencial. Então, com quem poderia ser?

Um olhou para o outro. O outro para o um – e assim sucessivamente. O balançar de cabeça foi geral, como a dizer “não é comigo”.

Ciente do abalo cósmico que nos causou, o Nasci repetiu a fala.

— Vocês entenderam? Não existe amor. Existe conveniência.

Silêncio.

— Ninguém ama ninguém. É fato. As pessoas se unem e separam ao bel prazer dos próprios interesses. Não podemos chamar isso de amor. Podemos?

E esta agora, compadre, pensei. Aonde o cara quer chegar?

— De qualquer forma, os relacionamentos – sejam quais forem, tenham o tempo e a importância que tiverem – são definitivos e marcantes na construção da história de cada um de nós. Sabem por quê?

Quem se atreveria a responder?

(Amanhã continua…)

[Texto publicado no livro "Meus Caros Amigos – Crônicas sobre jornalistas, boêmios e paixões"]

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