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A notícia em tempo real

"Às vezes, a vida precisa de uma pausa" (Carlos Drummond de Andrade)

01. Ao longo desses vinte e tantos anos de Caro Leitor, nunca me passou pela cabeça viver situação semelhante. Escrever sobre uma notícia em tempo real. Diante do computador alterno o batucar dessas linhas com as informações dos jornais on-line e acompanho, via rádio e TV, o desenrolar do drama do apresentador Silvio Santos — refém do seqüestrador Fernando Dutra Pinto em sua própria casa no bairro do Morumbi.

02. Em recente palestra sobre o futuro do jornalismo impresso, ante aos avanços dos multimeios que atuam em tempo real, ouvi de um dos renomados palestrantes que o jornal impresso é, na verdade, o dia de ontem consolidado. Não imaginei que tão cedo vivenciaria tamanho desafio: escrever sobre algo que está acontecendo, mas que o caríssimo leitor que me acompanha já sabe como terminou…

03. Mas deixemos as divagações de lado e vamos tentar ir além do fato — que, de resto, você está mais informado do que eu. Confesso que, mesmo agora, mais de quatro horas após tomar conhecimento da ação do bandido, continuo perplexo e ainda custo a crer no que estou vendo, ouvindo e lendo…

04. Algumas conclusões, mesmo no calor da jornada e diante de um desfecho imprevisível, já ficam bem claras. Vivemos numa verdadeira terra-de-ninguém, onde as pessoas não têm qualquer segurança, estejam onde estiverem. Ouço um coronel-reformado dizer na TV que acontecem algo em torno de 1.200 ocorrências policiais em São Paulo diariamente. Outro dado aterrador, revelado pela mesma fonte: só neste ano, foram mais de 500 seqüestros-relâmpagos e aumenta, a cada dia, o número de seqüestros com cativeiro. Tanto que, segundo outra fonte, a Secretaria de Segurança teme a divulgação dos índices, pois são desalentadores.

05. Tão desalentadora quanto a notícia que capto agora na Internet e que vejo a TV confirmar com a movimentação de viaturas que partem com sirene em aberto. Há outro três seqüestros em andamento em São Paulo — um deles acaba de acontecer no mesmo bairro do Morumbi e tem uma família inteira como refém. Por isso, parte do contingente de policiais deixa o local para atender à nova ocorrência… O que só confirma que vivemos, todos nós, sob o domínio do medo e da violência…

06. Creio já ter escrito neste espaço sobre o vaticínio que o jornalista Mino Carta fez ainda nos anos 70. De qualquer forma, acho oportuno repeti-lo em meio a esse Dia de Cão. A partir de um fato corriqueiro àquela época (as longas filas que se formavam diante dos postos quando a gasolina subia de preço), o jornalista fez uma avaliação do quadro de desmandos políticos e sociais do País, que ainda vivia sob o tacão da ditadura, e preconizou: caminhamos para a barbarie, para a guerrilha urbana, mas sem nenhuma ideologia, sem nenhuma razão; apenas por uma questão de sobrevivência.

07. Não foram exatamente essas as palavras do jornalista. Porém, o alerta ficou e soa hoje como a mais terrível das verdades… Ora trágica, como o assassinato dos turistas portugueses em Fortaleza. Ora revoltante, como os contínuos escândalos envolvendo nossas autoridades. Ora inacreditável, como o drama do apresentador Silvio Santos. Mas, sempre implacável, a denúnciar um futuro ainda mais sombrio…