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A tesoura do tempo

Hoje o dia me atropelou.
Olhe a hora que eu vim postar.
Já é quase ontem.
Daqui a pouco, amanhã…

A lida, amigos, começou cedo.
Fui dar aula na Vila Mariana.
Ao meio-dia, já estava na ativa
em outro lugar. São Bernardo,
perto de onde moro

E foi assim – uma coisa depois
da outra, depois da outra,
a outra, a outra… Até
agorinha agorinha quando
recolhi dos alunos os últimos
trabalhos que ainda vou corrigir.

Sei lá a que horas dormirei…

II.

Foi um dia repleto, cansativo,
com alguns ‘abacaxis’ de permeio.
Mas, diria, foi um bom dia.
Tanto que, como vocês podem
perceber, perdi a hora de postar,
que, para mim, é sagrada.

III.

Cheguei antes da hora
na primeira faculdade e
subi direto para a sala de
aula, no primeiro andar.

Não havia aluno por lá.

Então, fiquei olhando pela janela
envidraçada o movimento dos
arredores da estação do Metrô…

Senhores, foram os únicos minutos
de sossego do dia. Vi a moça
que saiu do prédio em frente
com a roupa de quem ia para a
ginástica. Depois passou a ‘executiva’
que deixou o carro no estacionamento
e, elegantíssima, rumou para
o conjunto de escritórios. Também
vi os estudantes que chegavam
lentos para as aulas da manhã.

Na verdade, não pensava em
nada. Apenas deixava que
o vai-e-vem captasse meu olhar.
Talvez recordasse uma bobagem
ou outra que sou useiro e vezeiro
em me envolver. Mas, não havia
qualquer pressa, nem pressão…

IV.

Lembro que outra moça me
chamou atenção. Ela não era alta.
Diria mesmo que era baixinha –
nada contra, aliás. Só que tinha
o cabelo tão cumprido que,
me pareceu, destoava do conjunto
da obra. Se ela os cortasse à altura
dos ombros, ficariam perfeitos.

Mal entabulei esse pensamento
bobo e eu próprio me recriminei,
como um feitor de mim mesmo:

“Não tem o que fazer, não, cara?
Deixa o cabelo da moça em paz.
Cuide de dar boas aulas hoje,
resolver as broncas que surgirem
— porque sempre surgem e
são inevitáveis – e escreva
uma boa crônica. De preferência
sobre o processo de cassação
de um certo senador. Que, aliás,
é mesmo o assunto do dia”.

V.

Ah, compadre, não dou moleza
para mim, não. Saí rapidinho
da janela e me pus a enfrentar
o dia que veio e se foi…

A esta hora da noite, porém, ao
fazer o balanço da jornada e constatar
mais esse arrego do Senado,
falo o quê sobre o tal assunto do dia?

A esta hora da noite, tudo me faz
crer que deveria voltar à janela e
observar as luzes esmaecidas da cidade
que dorme e tem vazias as avenidas.

VI.

Aliás, ocorre-me agora que
pode não haver janelas nos gabinetes
dos ilustres senadores, que hoje
votaram pela absolvição do presidente
da Casa, Renan Calheiros.

Ou lhes falte o hábito
de ver e enxergar…

Talvez por isso tais senhores
perderam o hábito de entender
a vida cá fora, exatamente como ela é…

Perdem, com tamanha insensatez,
o privilégio — para eles, obrigação —
de melhor conhecer a história
de um povo que, apesar de tudo,
definitivamente não nasceu
para ser triste. Há alguns estorvos,
sabemos bem. Que destoam e
atrapalham o futuro bonito
que há de vir. Ô se há…

São como os longamente longos
cabelos da loirinha que passou
hoje cedo por mim. Nada, porém,
que a tesoura do tempo não dê jeito…