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As três mulheres

Não houve como deixar de prestar atenção ao que diziam as três mulheres. Riam de dar gosto, provavelmente de alguma estripulia que acabavam de fazer na cantina de um desses moviementados auto-postos de estrada. Falavam sem receio de serem ouvidas as jovens senhoras – mais senhoras que jovens, mas nada nelas denunciava alguma intenção à velhice.

Diria que estavam aí pela casa dos 50 – pouco mais, pouco menos e, como disse, divertiam-se a valer com a presepada que aprontaram. Ou muito me engano, eram irmãs ou primas, aparentadas certamente. Viajavam sem os respectivos maridos ou ser que o valha. Era visível a liberdade que desfrutavam, como se fossem outros os tempos e não houvesse, em algum canto, filhos, netos e convenções.

Estavam à vontade, enfim.

E era o que realmente valia naquele exato momento.

Às favas, pois, as convenções.

II.

A cena me conduziu a outra, também recente.

Atendia a um grupo de estudantes durante a aula, enquanto outro, composto só de meninas entre os 20 e 23 anos, aguardava a vez para a consultoria de texto. Eu rabiscava o que lia à minha frente e os autores assistiam as correções em silêncio. Pude ouvir, então, um trecho da conversa das moças. Por algum motivo, que preferi não saber, elas estratificavam os professores de Jornalismo em faixas etárias.

— Imagine Fulano tem a mesma idade que Siclano, mas são tão diferentes, disse uma.

— Não pode ser, discordou outra.

— São tão diferentes. Acho que é a roupa, tentou consertar uma terceira.

— Então, quantos anos tem Beltrano? – argüiu a que me pareceu mais interessada na discussão.

Precisei interromper a escuta para fazer algumas observações sobre o quê acabara ler. Mas, assim que as chamei para o próximo atendimento, não escapei à curiosidade das moças.

— Professor, posso fazer uma pergunta?

— Já fez.

— Não, não é isso. A gente quer saber quantos anos você tem.

Disse e não sei se ficaram satisfeitas com a resposta.

Talvez imaginassem mais.

Por mim, digo e dou fé: a idade que tenho está de bom tamanho e uso. Não saberia ter outra…

III.

Essas duas histórias me remetem a uma crônica do escritor Mário Prata. Ele a escreveu ao se dar conta de que estava prestes a completar 60 anos – e continuava na ativa, com sonhos, alegrias e uma baita perspectiva de vida. Prata é contemporâneo de Caetano, Gil, Chico, entre outros. Uma geração que — aqui e acolá — mudou a história da humanidade, e hoje está pelos arredores dos 64/65 anos. Antes dessa turma, quem transpunha a faixa dos 40 sentia o peso da aposentadoria e já pensava seriamente em sair de cena para, como se dizia à época, criar galinhas. Ar circunspecto, roupas sisudas, a felicidade permitida era o cuidar dos netos e o jogo de dominó, com outros iguais… E olhe lá.

Claro que há outros fatores que influenciaram nessa conquista. O avanço da medicina, por exemplo – e da ciência, de um modo geral. O mais importante, creio, é a predisposição para reinventar o sonho que esse pessoal nos legou.

Às favas, pois, as convenções.

IV.

Uma vez perguntaram ao cantor e compositor Paulinho da Viola, outro sessentão impecável, sobre as notícias do seu tempo – e ele respondeu:

— Meu tempo? Meu tempo é hoje.

Alguém duvida?
De minha parte, só tenho a agradecer a esses desbravadores – e vida que segue.